Luís Souto, a cumprir o primeiro mandato como presidente da Assembleia Municipal de Aveiro, eleito pela coligação PSD-CDS, desanuvia o ambiente político e social em Aveiro marcado por contestação em várias frentes, garantindo que as medidas camarárias “estão a ser trabalhadas com uma liderança clara, mas devidamente discutidas.”
O biólogo e docente universitário com atividade científica ligada à genética, entre outras áreas, entrevistado numa parceria Notícias de Aveiro / Livraria Ror de Livros, defende abertamente a união de Aveiro e Ílhavo e garante que a maioria de direita no orgão deliberativo “é à prova de bala”.
Como tem decorrido o mandato na Assembleia Municipal, que é, naturalmente, politizada, com posições, muitas vezes, divergentes entre maioria e oposição ?
Temos de respeitar as ideias de uns e outros, combatendo o sectarismo. Por exemplo, formámos um grupo de trabalho, para acompanhamento de revisão do Plano Diretor Municipal, que tem sido um fórum extremamente construtivo, de forma serena, com todos os partidos. Penso que é um modelo que deveríamos replicar, tendo em conta que conseguimos ganhos de causa importantes,
No plenário o contexto é diferente, mas tem sido possível enriquecer propostas para conseguir consensos. Não é fácil, são eleitos por partidos diferentes, existem condicionalismos da política nacional, que interferem. Mas vale a pena consensualizar posições, quando é possível. Aproveitar o que tem de positivo e avançar incorporando outras posições. Já aconteceu, não é uma prática comum, mas gostaria de deixar essa marca.
A reposição partidária de eleitos neste mandato surpreendeu-o? A entrada do PAN, o reforço do Bloco. Refletiu um primeiro mandato da coligação difícil, no saneamento financeiro, transportes, por exemplo ?
Aveiro é uma cidade com um nível de urbanidade que acompanha outras cidades. São movimentos que tiveram expressão nacional. O PAN entrou na Assembleia da República e o Bloco teve crescimento. Já assistimos na nossa história a fenómenos idênticos e que desapareceram do espetro político. Só o tempo dirá se vieram para ficar, mas fazem parte da nossa diversidade.
Depois de tomar posse aceitou alterar o regimento. Havia a polémica por causa da intervenção do público, que passou do final da agenda para antes da ordem de trabalhos.
Havia um certo mal estar, perdíamos tempo com discussões formais por causa do regimento, contribuindo para a radicalização dos vários campos. Auscultámos as partes. Foi fácil. Gostaríamos de ter mais participação, ativa, vemos que há sempre público a assistir. Há intervenções do público bem fundamentadas, isso é positivo.
A transmissão em direto online chegou a ser proposta.
Existem alguns constrangimentos, da lei da Proteção de Dados e do ponto de vista técnico. Não está totalmente excluído, será uma reflexão para decidir no futuro.
“Temos condições ótimas para unir Aveiro e Ílhavo”
Tem lançado vários desafios, para se arriscar e pensar estrategicamente o futuro, deixou um “repto revolucionário” para se discutir a agregação de concelhos. Tem tido eco disso ou andou a ‘pregar no deserto’ ?
As pessoas leem e ouvem, portanto não ando a ‘pregar no deserto’. Como é que os processos de transformação ocorrem na sociedade ? Ou pela via revolucionária ou reformista. Eu aposto muito na mudança no sentido positivo, através de reformas graduais.
É mais do que justificado começar a pensar o desenho do território, perante novas realidades, para ajustar a organização à realidade, não é criar artificialmente nada novo. Seria um ajustamento à evolução demográfica, social, económica e cultural entretanto ocorrida.
À semelhança da fusão de freguesias ?
Ninguém queria dar o primeiro passo. Mas não houve revoltas populares, o arranjo não foi assim tão mau. Haverá aspetos a ajustar ou corrigir, é normal. Em Aveiro, havia rivalidades entre Glória e Vera Cruz levadas ao extremo. A união de freguesias não criou problemas a ninguém, não há contestação, mérito também para o presidente Fernando Marques. Penso que o processo pode ser um exemplo a seguir, mas as populações e os seus representantes devem ser incorporados desde início no processo.
Avançar para os municípios ?
Sim, estamos com uma estrutura municipal que não tem correspondência com a realidade, é claríssimo. Já se fizeram arranjos no passado. Não há que ter receios, é preciso estudar a realidade, ver se há vantagens ou não.
Fala de Aveiro e Ílhavo.
É um dos exemplos. A realidade já é praticamente única. Somos o mesmo povo, fazemos vida cá e lá. Há um aspeto muito importante: as cidades competem umas com as outras. A marca de uma cidade é analisada por quem investe, precisamos de levar isto a sério. Do lado de fora, quem olha procura um mercado. Temos Aveiro com 77 mil habitantes e Ílhavo com 38 mil, pequenos concelhos em população e área que competem com cidades concelho com patamares de 100 mil habitantes. Na região Centro ficamos muito atrás de Viseu, Leiria e Coimbra nestes aspetos. Seria de criar um concelho forte, com escala, forte, com dimensão, para sermos competitivos.
Depois há muitos aspetos, como os transportes, a mobilidade, que precisam de ser pensados a outra escala. A Universidade de Aveiro já está na Gafanha da Nazaré, com o Ecomar, implica transporte de alunos. O Parque de Ciência e Inovação a mesma coisa.
Acho que é altura de repensar a forma de organização, estudar, com as populações e entidades e ver a solução que melhor serve as populações.
Temos condições ótimas para dar o pontapé de saída, de unir e não são anexações, mas como aconteceu nas freguesias.
“Há quem queira estar em permanente estudo e os que querem que se avance”
A Câmara de Aveiro tem sido acusada de não ter estratégia para o futuro, para a cultura, o turismo, as coletividades, etc. . Também lançou esse apelo.
Estamos em processos de revisão do PDM e também da Carta Educativa. Não têm sido desenvolvidos pelo presidente da Câmara sozinho. Tem capacidade liderança, mas aberto a reflexões. No PDM, estão todos os partidos, não se pode dizer que não há acompanhamento. Tem tido a presença do presidente da Câmara, o que é muito proveitoso.
Na Carta Educativa há trabalho no conselho municipal da educação, com os conselheiros, as medidas estão a ser trabalhadas com uma liderança clara, mas devidamente discutidas.
A definição da estratégia atrasou-se e agora apanha já muitas obras lançadas ou em curso.
Há processos que vinham do passado, não queremos ficar parados no tempo. A revisão do PDM envolve alguma complexidade. Tem em conta a realidade, identifica aspetos prospetivos, alguns a longo prazo.
Agora, o concelho não pode parar. É um aspeto distintivo do posicionamento político em Aveiro. Há quem queira estar em permanente estudo e os que querem proatividade, que se avance. São maneiras diferentes de estar na política partidária local, talvez também como acontece na política nacional.
A coesão territorial de Aveiro tem sido acautelada, o crescimento da cidade e não põe em causa a satisfação de carências que existem nas freguesias ?
Do que percebi, a estratégia do presidente da Câmara vai muito nesse sentido. Num conceito mais alargado da cidade, integrando núcleos periféricos. Não podemos esquecer que o centro da cidade é importante, enquanto marca. É a montra, leva a cuidados acrescidos em benefício de todo concelho. Mas assistiram-se a importantes descentralizações de competências, as freguesias não estão limitadas, recebem meios financeiros, Isso contribui muito para a coesão territorial. Os presidentes de Junta têm reconhecido isso.
O Terreiro do Paço tem dificuldade em atender reivindicações antigas de Aveiro, no hospital, na justiça, de equipamentos vários e vias rodoviárias em falta. Outras vão avançando a custo.
Nós precisamos de uma voz forte. Não vai lá com políticos de voz fraca. Portugal continua a ser extremamente centralista. Há sempre resistência à descentralização. A macrocefalia de Lisboa acentuou-se em desfavor do resto do país. Precisamos de ter uma voz forte, acho que temos, mas importa remarmos todos para o mesmo lado. No investimento do hospital, a decisão está tomada, a Câmara deu passos corajosos e concretos. Surgem novos hospitais a sul e andamos aqui há décadas. Perdeu-se muito tempo com discussões nossas. Isso acabou, agora temos de congregar esforços, temos de dar passos nesse sentido, vamos ficando periféricos e as populações precisam de melhor saúde, mais qualidade.
“Se os estudos técnicos dão suporte à solução [do Rossio] é preciso andar para a frente”
No Rossio é só a cave ou algo mais profundo que está ali em causa, ficou surpreendido com a resistência ?
Não, nunca houve nada de novo em Aveiro que não tivesse discussão. É normal, não somos amorfos. O projeto introduz uma alteração de hábitos e na paisagem urbana. A diferença é que hoje vivemos num tempo em que os canais de comunicação são muito diferentes. No passado a polémica ficava-se pelo artigo no jornal da terra. Hoje existem as redes sociais. Isso justifica o que parece ser uma maior contestação, sempre houve essa contestação a determinados projetos. Olhamos para o lago da Fonte Nova, a beleza que ali está. Vão consultar o que foi na altura a contestação que houve, que era uma coisa bizarra e sem sentido. Penso que vai acontecer com estes projetos que estão a ser alvo de alguma contestação. Resta perceber qual a expressão real dessa contestação.
O estacionamento subterrâneo causa-lhe preocupação ? Como pode a Câmara pode desatar o nó ?
Resta saber se está aqui um nó para desatar. Apresentou-se a ideia e desde então acolheu um conjunto de sugestões, reparos, contributos. Temos de ser sérios, houve recetividade e incentivo, mas as pessoas muitas vezes preferem mandar ‘umas bocas’ ou insultos no Facebook, do que pensar estruturalmente e enviar. Houve uma mudança que resultou da incorporação dos contributos no esboço.
Se os estudos técnicos dão suporte à solução, é preciso andar para a frente e não andar aqui ‘ad eternum’ a discutir. Se for positivo para Aveiro, e as coisas são feitas assentes em estudos rigorosos, e fazendo fé nesses estudos, a mim não me causa problema.
A intervenção programada na Avenida Lourenço Peixinho também tem sido questionada.
Não está a ser feita por amadores, são técnicos escolhidos pela qualidade. O executivo certamente está ciente de todas as vertentes e do impacto, sabe que os projetos têm de fazer sentido no seu conjunto. Preocupa-me é o que existe atualmente: a avenida ‘morreu’, passaram-se dez anos a discutir o futuro deste ex libris- Há sinais de nova vitalidade, precisamos disso.
Declarações áudio sobre a união municipal Aveiro e Ílhavo e a contestação ao projeto do Rossio
Tem tido atividade no estudo e proteção do património de Aveiro. Surgiram algumas intervenções questionáveis no edificado antigo.
Falar mal é fácil. Pela positiva, estamos a assistir à recuperação da antiga estação da CP. É muito importante, conseguiu-se investimento para o restauro. Outro exemplo, a reabertura da igreja das Carmelitas, finalmente encontrou-se uma solução. O património salvaguarda-se com utilização. Agora, é necessário preocupação e estar alerta, isso tem de ser permanente. Há causas na sociedade diversas. O município tem de gerir no bem comum. Compete às entidades e cidadãos estarem alerta, não baixarem a atenção. Surgem determinados projetos com total desprezo pelo património e cultura. Como é que os arquitetos estão a trabalhar ? É necessário consciencializar os profissionais, para ter marcas fortes e preservadas do património. Mas as pessoas de Aveiro têm de estar conscientes e empenhadas.
O edifício Fernando Távora, agora em restauro, ficará limitado por albergar a biblioteca em detrimento de um espaço de raiz ?
É um outro exemplo, precisava de uma intervenção. Defendo que o Estado e as autarquias devem privilegiar novas valências em edifícios com cunho patrimonial. O futuro da escola Homem Cristo é outro problema a colocar em cima da mesa, está a chegar a altura.
Aveiro está à altura de ganhar a candidatura a Capital Europeia de Cultura ?
Está a ser feito um trabalho de base. Foi muito importante colocar este objetivo mobilizador. O Festival dos Canais tem um patamar muito elevado, há vários exemplos. Pode ser discutível, mas há uma estratégia. Mesmo que não se ganhe, precisamos de políticos que arrisquem, com proatividade, darmos todos os nossos contributos. Se não ganhar, ficam sementes muito importantes, um esforço grande de mobilização, ficamos a conhecer as potencialidades culturais da cidade. É importante e mobilizador.
“Quando há aspetos a limar [com o presidente da Câmara], conversamos de forma direta e solidária”
Tem a tentação de fazer algo mais que presidir à Assembleia Municipal no plano autárquico ?
Tenho a vontade de cumprir o mandato com os propósitos que enunciei. Na nossa prática política é um nome que vai a votos. As pessoas sabiam muito bem quem era o primeiro candidato proposto para presidir. Essa legitimação democrática é uma responsabilidade. Procuro cumprir e ser fiel aos propósitos.
Como é lidar com o presidente Ribau Esteves, com a sua personalidade própria, leva muitos anos, já viveu estes processos muitas vezes, tem pragmatismo e pressa.
Quando me convidaram, e o engenheiro Ribau Esteves teve papel importante, não me foram colocadas condições prévias nenhumas. Foi arriscado, não tenho experiência política, não estava nos meandros da atividade partidária. Não temos a mesma personalidade como é óbvio. Quero acreditar que eu possa trazer algo para o projeto da ‘Aliança Com Aveiro’ com a minha forma de ver e atuar, complementar. Temos uma relação positiva, direta e colaborativa, frontal. Quando há aspetos a limar, conversamos de forma direta e solidária.
Como vê o debate entre maioria e a oposição na Assembleia Municipal, por vezes é mais difícil segurar as rédeas da condução dos trabalhos.
A disputa política é normal, estamos lá para a boa coordenação, até agora não houve assim nenhum grande problema. Não quero fazer juízos políticos sobre as considerações de uns e de outros. O papel da mesa visa assegurar o bom funcionamento, cumprimento da lei e o processo democrático, sem juízos políticos, apesar da nossa filiação. Tem de haver alguma vivacidade, dentro dos limites da urbanidade.
“O PSD enquanto estrutura partidária não está impedido de contribuir, até gostava de ver mais”
Tem militância, vem do PSD. Não o preocupa o estado de ‘paz podre’, com alguns casos polémicos pelo meio, que existe desde há muito entre a concelhia e o presidente da Câmara ?
Vamos aos factos: até agora, o engenheiro Ribau Esteves e o executivo gozaram de uma maioria na Assembleia Municipal que não tem falhado em votação nenhuma. Todas as votações, em todos assuntos, houve total sintonia dos deputados da coligação com as propostas do executivo. Contra factos não há argumentos, a realidade é esta. Tem funcionado na perfeição, a maioria é à prova de bala, funciona perfeitamente. Não me chegou nenhuma reação negativa das concelhias, não tenho conhecimento de nenhum reparo em relação aos deputados da maioria.
Não estranha que o CDS seja quem mais apoia publicamente a Câmara ?
Não me chegou nenhuma posição de não apoio dos partidos da coligação à Câmara.
O reparo do PSD ao projeto do Rossio, por exemplo, ao colocar reservas.
O PSD enquanto estrutura partidária não está impedido de contribuir, até gostava de ver mais.
O reforço da atividade dos partidos a nível municipal seria positivo. O PSD deu uma visão e foi incorporada. aliás como outros contributos nesta última versão. A estrutura partidária está lá para funcionar, é normal que dê contributos sobre questões na ordem do dia.
Livraria Ror de Livros: As sugestões de Luís Souto
“Discursos parlamentares”, de José Estêvão. “Tudo que diz respeito a Aveiro interessa-me. É uma figura que tanto lutou pelo progresso de Aveiro e da sua região, basta lembrar o trajeto do caminho de ferro. Por outro lado, foi um parlamentar. Eu prezo muito a valia das assembleias. Foi um dos grandes parlamentares portugueses. Foi uma figura oriund< de Aveiro que contribuiu muito para as ideias liberais, tornou-se uma figura nacional. Acho que tem toda a atualidade. Temos de reafirmar os valores da liberdade e democracia cada vez mais, não são dados adquiridos. ‘Aveiro capital da liberdade’ está muito associado a José Estêvão. “
“O Futuro da União Europeia”, de Eugénia da Conceição. “É um assunto que me interessa muito. As pessoas devem valorizar a União Europeia (UE), tropeçamos nas vantagens europeias todos os dias, mas damos como adquirido. A autoria diz a UE está a atravessar uma das suas maiores crises, é verdade. Mas acho que pode sair fortelecida com o empenhamento dos cidadãos. Deixo o apelo para se dar um sinal ao mundo nas próximas eleições europeias que acreditamos na UE. Não é um projeto fácil, mas estamos a conseguir manter a união, que é sobretudo um projeto de paz”.
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