Centenas de adeptos do Beira-Mar, muitos vindos em família, como era tradicional acontecer nos domingos à tarde para assistir aos jogos, despediram-se, esta manhã de sábado, do ‘velhinho’ Estádio Mário Duarte, antes do ‘camartelo’ avançar, executando a demolição que há muito vinha sido assumida como inevitável.
À saída da visita para o último adeus, havia quem carregasse cadeiras amarelas e pretas já descoloridas pela passagem do tempo ou bocados da relva que há vários meses deixou de ser tratada, logo que foi dado como certo o seu fim, mas feita a trasladação há-de recuperar o verde num canto de saudade.
“Levo umas oito cadeiras, vou fazer uma mini bancada lá em casa para ver futebol na televisão. Já telefonei a pedir ajuda para carregá-las. Agora vou tratar da relva para levar”, relatou António Veiga, um “sócio há mais de 25 anos”, enquanto esperava por ‘reforços’ familiares para as tarefas. “Comecei a assistir aos jogos, como tantos outros, ainda menino. Em alguns jogos era tanta gente que ficávamos todos apertadinhos. Cresci aqui”, lembrou em tom nostálgico. “Apesar de muitos continuarem relutantes por causa da distância”, António Veiga acredita que “o Beira-Mar vai ficar melhor” com a transferência em definitivo para o estádio municipal construído para o Euro 2004.
Houve também quem levasse a placa comemorativa da inauguração dos camarotes (“vale pela recordação, é plástico e não tem outro valor”). O pequeno quadro eletrónico oferecido por um sócio antigo aquando início da refundação nos distritais, também vai ter casa nova (“parece estar pronto a funcionar”). Algumas bolas “ainda dão para peladinhas”. Um desenho com o emblema do Beira-Mar será emoldurado. Encontrou-se um saco desportivo de jogador marca ‘Zico’ com emblema do Beira-Mar (“tem espaço para tudo, só precisa de ser lavado para voltar a ter utilidade”), além de outros despojos que foram deixados para trás pela direção do clube.
Jörg Hans Clasing, 60 anos um alemão que vive em Aveiro há três décadas, foi, seguramente, dos que teve mais trabalho. De martelo e cinzel, não desistiu enquanto não retirou uma placa de cimento da bancada mais nova que “vai ser transformada em degrau” na sua residência, onde o antigo campeão de ski alpino e snowboard, agora treinador de ginástica artística, tem “uma coleção” de objetos em pedra que vai recolhendo.
Balizas, o túnel em metal e a águia em pedra seguem para o EMA
85 anos depois da inauguração, o mítico estádio está prestes a ser reduzido a pó passando a ter lugar na memória dos que assistiram ali a vitórias glorificadas em conquistas históricas ou choraram derrotas.
Milhares de jogadores deixaram o seu sangue, suor e lágrimas no Mário Duarte, que devia ser sagrado. Uns tornaram-se heróis pelos golos que marcaram ou evitaram. Outros esconderam-se pela desilusão de falhanços a que apenas são imunes os que não estão lá dentro. Homens houve que caíram desamparados naquele relvado, traídos pelo esforço levado além dos limites. Desviou-se o olhar nos dramas dos que sofreram fisicamente ao ponto de ficarem diminuídos, alguns para sempre.
Bertino Madaíl, 72 anos, vestiu a camisola de guarda-redes dos tempos em que defendeu as balizas do Beira-Mar durante a mocidade. “Este estádio sempre teve uma mística muito grande, não era fácil vir aqui alguém ganhar. O 12º jogador fazia muita diferença, os jogadores corriam mais com o apoio que sentiam”, conta o serralheiro mecânico reformado, já resignado com o desaparecimento do recinto. “Ao menos que sirva mesmo para o hospital e não habitação como se previa”, remata.
No verão de 2015, o ‘velhinho’ estava abandonado e era um matagal quando um grupo de adeptos deitou mãos ao trabalho permitindo a reativação para iniciar o campeonato distrital da segunda divisão, onde a equipa senior caira devido à implosão da SAD. Hugo Coelho, atual presidente, estava no grupo. A perda definitiva do relvado que era usado para treinos da equipa senior, sem que o complexo novo esteja pronto, “está acautelada” pelo compromisso camarário de garantir a cedência de relvados locais (Eixo ou Oliveirinha) para a nova época.
Do ‘velhinho’, a direção vai levar também algumas recordações, como balizas, o mítico túnel em metal, que será restaurado, e a águia em pedra que está colocada no edifício administrativo da bancada do lado do parque.
Alguns elementos da claque Ultras Aurinegros voltaram aos lugares que lhes eram reservados para um derradeiro cântico.
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