O mercado imobiliário na zona urbana da cidade de Aveiro agitou-se a reboque, em grande medida, da reabilitação urbana, a que não é alheio o crescimento do turismo.
Ainda assim, as imobiliárias garantem que faltam casas no concelho. Mesmo com os custos associados à construção a aumentarem, há grande investimento a ser canalizado para o segmento habitacional. Quem for abordado para vender, talvez não vá perder se esperar um pouco mais. Já para comprar, pode ser a hora certa. Leia o que dizem investidores, profissionais do sector imobiliário, inquilinos e autarquia.
Um prédio antigo, há muito devoluto, rés-de-chão e três andares, na Rua José Estêvão, entrou recentemente em obras para ser adaptado a 14 estúdios residenciais. O investimento partiu de um grupo empresarial ligado ao comércio de materiais para construção e mobiliário. É uma imagem que se tornou recorrente nos anos mais recentes na cidade de Aveiro.
Proliferam, de resto, pelo centro urbano de Aveiro muitas dezenas de intervenções em edificado onde as fachadas denunciam por si próprias décadas de abandono. Em muitos casos, vão muito para além de ‘lavar a cara’, assistindo-se a múltiplos projetos de reabilitação de fundo.
O mercado imobiliário nas zonas mais antigas está a viver um momento de efervescência com a realização de muitos negócios à velocidade da luz, tanto para quem vende como para quem compra.
Diogo Loureiro, emigrante no Luxemburgo, dá por “muito bem gasto” o dinheiro aplicado há mais de 10 anos na compra de um prédio na privilegiada zona do Cais dos Botirões. Depois de “problemas” com vários inquilinos do bar existente no rés-de-chão, decidiu fechar para obras e repensar o que fazer. Optou por investir mais 100 mil euros e adaptar o edifício a hostel que irá abrir nos próximos meses.
“Estou a ser constantemente abordado para alugar a parte de estabelecimento de restauração, mas tive más experiências. Tenho esta nova ideia, para alojamento. A nível de turismo Aveiro está forte e eu estou no melhor sítio, também conta muito”, disse.
Em pleno bairro da Beira Mar, não faltam oportunidades imobiliárias. “Sim, há muita coisa à venda, é uma questão de preço”, contou uma a proprietária de uma casa rés-de-chão e primeiro andar, sem logradouro, que investiu na compra e restauro para vender. O preço está em 118 mil euros “Em três meses recebemos bastantes contactos, muitas pessoas a pensar em restaurar e alugar. Curiosamente acham que a nossa está cara, talvez se enganem nas expetativas criadas de fazer negócio”, referiu, admitindo também a opção de arrendar caso não seja possível encontrar comprador à altura. “Sentimos que existe uma dinâmica grande no mercado, vamos aguardar um pouco”, disse.
Associação de Inquilinos pede cautelas quando o senhorio bate à porta a pedir a casa
O destino de muitos imóveis que passam de mãos é alojamento local. João Lopes, octogenário, residente com a esposa numa casa alugada há 50 anos, a dois passos do jardim do Rossio, já não estranha, afinal passou a ter como vizinhos turistas de ocasião.
“Casas arrendadas por pessoas que moram aqui na minha rua? Sou eu e um outro rapaz. Havia uma vizinha, faleceu e os herdeiros venderam para alojamento”, respondeu o morador sem receio que o senhorio lhe bata à porta um dia destes com o mesmo fim. “Enquanto vivos, com a idade que temos, não vejo como sair daqui. Depois eles é que destinam”, disse, afirmando “desconhecer” casos de pressões de donos para dar novas ocupações às casas.
Um “fenómeno social e económico” com que Manuel Vieira, presidente da Associação de Inquilinos do Norte de Portugal, está “infelizmente” habituado a lidar. “Aqui na cidade do Porto temos muitos e grandes problemas, é possível que comecem a aparecer casos em Aveiro, pelo efeito do turismo e não só”, disse.
A associação tem quatro advogados a tratar dos processos que lhe chegam ao conhecimento e mantém-se mais vigilante do que nunca, atendendo às alterações feitas ma lei do arrendamento. Os senhorios que partem para tribunal obrigam os inquilinos a defenderem-se com as mesmas armas. “Ganhámos um caso, inédito, que chegou ao Tribunal Constitucional. O senhorio tem de manter o inquilino”, relatou Manuel Vieira.
“Agarram-se a tudo, não olham a meios. Muitos inquilinos se não tiverem quem os proteja vão mesmo embora. temos casos em que os senhorios foram obrigados a devolver dinheiro que ofereceram aos inquilinos. Dá para dois ou três anos de renda noutro sítio e acaba. Isto acontece em muitas situações relacionadas com turismo. Outros apresentam-se com o argumento de ser provisório, durante 15 dias e depois ficam. Há quem assuste os inquilinos e estes acabam por vir para a rua”, acrescentou o presidente da Associação de Inquilinos do Norte de Portugal.
Turismo está a trazer restauro, mas também aumentou a procura e compra de casas novas
João Casal, gestor de uma das imobiliárias mais atividades no mercado de Aveiro, a SPS, conhece o mercado local como as mãos. “Mais do que tudo, assistimos a um impulso por força do turismo, que a está a trazer remodelações dos prédios, projetos para alojamento local, até nove quartos”, adiantou o empresário.
“Outro ponto muito importante” que destaca “é a necessidade da cidade oferecer apartamentos de tipologias mais pequenas, entre T0 e T1, para venda”, devido a outros factores como a atração de alunos e docentes estrangeiros pela Universidade de Aveiro, bem como de recrutamentos de pessoal feitos pelo hospital e algumas grandes empresas aqui instaladas.
Neste momento, a procura está, em muitos casos sem resposta. “Durante a crise, ficaram poucos construtores em atividade, não se construiu e vendeu-se o que estava para trás. Agora não encontramos apartamentos T2 ou T3 novos prontos a habitar”, referiu João Casal, admitindo que a cidade “não foi das mais afectadas pela crise imobiliária, nem tem construção em excesso”.
Existe também uma vaga de investimento. “Quem tem dinheiro no banco a render nada, prefere comprar um apartamento para arrendar, está bom para isso”, contou, exemplificando com Um prédio novo, ainda em arranque, com 38 frações, das quais 34 vendidas em planta. Existirá, de resto, escassez de casas para habitar. Como as taxas de juro baixaram, quem procura pensa novamente em comprar.
“Felizmente, o turismo está a ajudar. Nessa parte entra o restauro”, acrescentou o gestor imobiliário, adiantando que “a maior parte é também investimento”, para arrendar a empresários ligados ao alojamento local.
Aos clientes que colocam imóveis à venda nas zonas nobres da cidade, João Casal recomenda que sejam ponderados em fixar preços, acreditando que é possível ainda fazer negócios melhores. Já o custo da construção por metro quadrado está a subir. “E vai ficar mais caro, porque as empresas de construção sentem faltam de trabalhadores, os subempreiteiros de gessos, pladur, canalizações ou electricidade, essa gente foi para fora e torna tudo mais caro”, referiu João Casal.
Quem tiver terrenos à venda, como ainda há muita oferta, não deve contar com melhores oportunidades a curto prazo. A agitação imobiliária na Beira Mar está para durar. “Aí as casas interessantes nem 15 dias demora a vender. Quem tem para vender se esperar ganha mais dinheiro”, volta a insistir o gestor da SPS.
Já para comprar “é agora, porque ainda estão em preços aceitáveis. Daqui por algum tempo vai ser mais difícil” nas zonas nobres da cidade, Rua Direita incluída, e até a Avenida Lourenço Peixinho.
Com 25 anos de atividade, João Casal lembrou as especificidades do mercado de Aveiro que não tem tradições de grandes empreendimentos imobiliários, com centenas de casas. “Aqui é diferente, nem 100 apartamentos temos em construção neste momento. Mesmo em concelhos ao nosso lado há empreendimentos de 200 apartamentos, não sucede em Aveiro”, lembrou. Mesmo nos arredores da cidade, as moradias à venda “são muito poucas”. O restauro é, assim, o negócio do momento. “Estamos a crescer, devagarinho vamos lá”, rematou.
“Agora é moda valorizar os centros urbanos históricos, o que resulta dos incentivos para a reabilitação” – Ribau Esteves, presidente da Câmara de Aveiro
O mercado começa a crescer ?
Especialmente em 2016, embora o crescimento seja já anterior, pelos pedidos de informação prévia recebidos em 2015 vemos isso.Para ver o aumento de licenciamentos e investimentos é só dar uma volta pela cidade e comparar pelos guindastes, estaleiros e andaimes em zonas antigas. Há objetivamente um investimento de proprietários e especialmente de investidores, alguns fortes na cidade e outros novos que vieram agora, incluindo de industriais que passaram a atuar área imobiliária. No que se vê nos processos em tramitação, temos um crescimento muito relevante no município com concentração mais forte na cidade, mas em outras áreas também.
Existe risco de se estar perante uma bolha imobiliária ?
Não acho, é uma nova atitude depois de uma fase que era construir de novo, para as periferias dos centros urbanos. Agora é moda valorizar os centros urbanos históricos, o que resulta dos incentivos para a reabilitação. Numa cidade como Aveiro o crescimento forte do turismo, que está no seu terceiro ano, tem um contributo relevante, somando a nossa pressão para obras de conservação em prédios degradados, mais de 300 identificados, que estão em mau estado. Houve uma reação, os donos foram para o restauro, para instalar comércio, serviços, para estudantes estrangeiros do Erasmus, que pagam mais.
Os incentivos pesam ?
R – Assistimos a uma conjugação de factores que é uma lógica positiva, além disso passámos a ser um município bem gerido e com lógica positiva de investimento público que incentiva os privados. Temos incentivos em sede de IMI, IMT e taxas ao dispor: Falta o IFRRU (Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbana), em fase de formalização pelo Governo.
E pressão de senhorios sobre inquilinos ?
Existem rendas antigas muito baixas, mas globalmente não é um problema como acontece entre senhorios e inquilinos em Lisboa e Porto – algumas situações dessa haverão naturalmente, mas não são problemáticas em Aveiro.