Eu sei que o título está puxado, mas é de propósito. E explico porquê. Confesso-vos que acho fantástico e extraordinário que passemos o dia a ouvir, por tudo e por nada, queixumes sobre a falta de ética no imobiliário quando todos nós somos os primeiros a dar razões para que, cá dentro e lá fora, digam o pior e o péssimo deste sector. E antes que venham as virgens ofendidas clamar sobre o que seja ou afirmar-se como as últimas guardiãs de uma suposta ética vou, ao longo das próximas linhas, explicar porque é que, no meu entender, não há, infelizmente, ética no imobiliário.
Por Francisco Mota Ferreira *
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Podemos começar por falar na falta de ética que existe logo na relação com o cliente quando este ainda nem sequer o é. Para termos o imóvel que queremos, dizermos, se for preciso, tudo e o seu contrário para convencer este a entregar a angariação. Desde a clássica “eu tenho cliente para o seu imóvel” (quando todos nós sabemos que, possivelmente, 9 em 10 casos isso é, pura e simplesmente, mentira), passando pelas balelas que somos o melhor da rua, do bairro ou da cidade, com um qualquer pechisbeque dado pela agência a supostamente provar isso mesmo (mesmo sabendo que há 500 iguais a nós e mil ainda melhores), ou ainda quando a nossa agência garante que o imóvel vai ser exportado e divulgado entre os melhores portais para assegurar o melhor resultado, quando na maior parte dos casos, ninguém quer abrir os cordões à bolsa e até fingem que são particulares para publicitarem nos idealistas desta vida.
A falta de ética prossegue quando, com o cliente vendedor do nosso lado, temos a tentação de achar que somos proprietários dele e da sua vontade. Por isso, escondemos-lhe propostas, se estas implicarem uma partilha que não estamos dispostos a dar, ocultamos potencial interesse de outras agências pelos mesmos motivos e fazemos de tudo para impedir que outros profissionais possam fazer visitas para mostrar o imóvel a um potencial cliente. E, no meio disto tudo, ainda vamos para a rua encher a boca dizer que trabalhamos em prol do nosso cliente…
Entre colegas a falta de ética é também recorrente. Inundamo-nos em quilos de burocracia e papéis para garantir que todos se vão portar bem (e tenho a certeza que as árvores na Amazónia tremem de medo cada vez que dois profissionais dizem que vão assinar um acordo de parceria) e quantas vezes, mesmo apesar das garantias expressas, há sempre uma das partes que se acha mais esperta que a(s) outra(s) e tenta tomar-nos por tolos? A comissão de 5% que afinal é de 4% porque há um parceiro fantasma que ninguém sabe quem é e a quem foi garantido 1%? O activo que é meu, mas que, quando chega a hora da verdade, eu sou apenas mais um elemento de um enorme comboio de consultores que se foram juntando porque, afinal todos tinham supostamente um cliente para o ativo em questão? Ou a venda por fora da agência e da marca que dizemos representar porque achamos que esta nada fez para o negócio em concreto e, por isso, arranjamos todos os subterfúgios para fugirmos ao compromisso que assinámos com a marca que, entre várias coisas, diz que só podemos fazer negócios imobiliários através deles. Ah, mas neste caso específico não dá jeito não é? Certo…
E entre consultores, brokers, agência e masters? É escolherem. Regras que não são cumpridas, comissões que não são pagas, arranjando-se as desculpas mais inacreditáveis, formações de excelência que deviam chamar-se, afinal, de excrescência, promessas de mundos e fundos que tantas vezes nos colocam num poço sem fundo?
E, depois, temos, por fim, a falta de ética no sector como classe que faz com que o crime, afinal compense. Eu posso enganar colegas, aldrabar comissões, meter milhares de euros ao bolso que não são meus porque, mesmo que seja denunciado por terceiros sei que não vou perder a minha licença AMI. E sei, igualmente, que a multa que venha a ser aplicada, de algumas centenas de euros, vai compensar o ato menos honesto que vou praticar perante colegas, agência ou cliente.
As alminhas mais sensíveis que me desculpem o desabafo e as críticas inerentes nestas linhas. Mas, a próxima vez que venham para as redes sociais ou para o mundo dizer mal da vida, dos colegas, dos negócios ou do que seja, de cada vez que se coloquem no pedestal da ética pensem, mesmo de verdade, se em vez de estarem sempre prontos a atirar a primeira pedra, não deviam, afinal, ser os primeiros a apanhá-las. Pode ser que, com a real consciência das suas imperfeições, se abra o caminho para a verdade revelada. Ou, pelo menos, que acabem as lamúrias da praxe de como os outros são uns maus. Lamento, não são os outros, são todos.
* Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio). Artigo publicado originalmente no Diário do Imobiliário.
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