Mudar de vida

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Assembleia da República.
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O que se prefigura, segundo as declarações dos principais partidos, no rescaldo das eleições, é a repetição do modelo canónico: Governo do bloco de centro-direita, liderança da oposição pelo bloco de centro-esquerda.

Por Henrique Rodrigues *

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1 – Na véspera das eleições de 10 de Março – isto é, antes de saber os resultados dessas eleições -, na comunicação que dirigiu ao País, apelando ao exercício do direito de voto, o Presidente da República considerou que as eleições representavam o fim de um ciclo, coincidente com o período de 50 anos após a Revolução do 25 de Abril.

E mais disse que com as eleições se abria um novo ciclo na vida da Pátria.

Confesso que não percebi então as razões presidenciais para tais conclusões.

Com efeito, é corrente dividir a História dos povos, ou das nações, em períodos temporais determinados.

No tempo da Monarquia, tais períodos correspondem às 4 Dinastias: A 1ª Dinastia, dita Afonsina, que durou desde a Fundação, com D. Afonso Henriques, até D. Fernando I, sendo possível identificar o facto histórico que determinou o fim dessa 1ª Dinastia – a Guerra contra Castela, e a Crise Dinástica, entre 1383 e 1385; a IIª Dinastia, também chamada de Avis, iniciada com D. João I, vencedor da Guerra contra Castela, e terminada com o desastre de Alcácer- Quibir e a morte do Cardeal-Rei D. Henrique, sem sucessor; a III Dinastia, dita Filipina, abrangendo os três Filipes de Habsburgo, Reis de Espanha, iniciada em 1580 e terminada em 1640, com a Restauração da Independência, com D. João IV, Duque de Bragança, com quem se iniciou a IV Dinastia, também chamada de Bragança, e que terminou em 1910, com a Implantação da República,

Quase 8 séculos de Monarquia, divididos em 4 períodos.

Instaurada a República, em 1910, é costume dividi-la em 3 períodos: a Iª República, entre 1910 e 1926, iniciada com a queda da Monarquia e terminada com a Revolta de 28 de Maio, que instaurou a Ditadura; a II República, que corresponde ao Estado Novo, que foi derrubada em 25 de Abril de 1974; e a IIIª República, sob a qual felizmente vivemos, em liberdade e em paz.

Como se vê, dividir a História de Portugal em períodos é um exercício que consiste em identificar espaços de tempo da nossa vida colectiva, como Nação, e determinar que factos ou fenómenos marcam a passagem de um período ao período seguinte.

Em regra, guerras ou revoluções.

Também é de regra definir esses períodos “ex post”, quer dizer, decorrente de um olhar retrospectivo sobre o passado colectivo e descortinando nele factos ou circunstâncias que implicaram uma mudança significativa, um corte, uma ruptura com o período anterior.

Ora, a asserção, a classificação, do Presidente da República tem esta particularidade: não decorre de um olhar sobre o passado; tratando-se antes de uma previsão, um augúrio, a partir de um facto então ainda futuro: as eleições de 10 de Março.

Como a Sibila de Cumas.

Segundo este critério, não se descortina o que o Presidente da República adivinhava em 9 de Março, sobre tão poderoso efeito quanto o de inaugurar um novo período na nossa História de 9 séculos.

2 – Espero que o Presidente da República se engane no vaticínio.

Na verdade, tenho vivido de forma confortável e sem sobressaltos cívicos o rotativismo entre o centro-direita e o centro-esquerda que tem marcado o exercício do poder executivo.

O conceito de “mudança tranquila”, cunhado por António Guterres na campanha eleitoral de 1995, que lhe deu a vitória, caracteriza bem as transições dos blocos políticos que têm exercido o poder durante a vigência da Constituição de 1976.

O rotativismo não acabou com as desigualdades, nem erradicou a pobreza, é certo.

Mas, se olharmos para o passado, sem ser de esguelha, teremos de concluir que nos calhou em sorte o melhor tempo e o melhor país para viver.

Voltando às eleições, é certo que os resultados foram atípicos.

Creio que foi Rui Tavares quem primeiro teorizou sobre a substituição do modelo alicerçado no exercício do poder pelos dois blocos que referi, um tendo como polo dominante o PS, outro tendo como polo dominante o PSD, em rotação desde 1976, por um modelo tripartido, composto por um bloco de esquerda, outro da direita democrática, e o terceiro de direita radical.

As eleições parece que vieram dar razão a Rui Tavares, quanto à entrada de um novo “player” na dança e quanto à relação de forças entre esses blocos.

Mas não assumiram o efeito de alteração radical que associamos à mudança das divisões do tempo histórico – ou dos ciclos, na designação presidencial.

O que se prefigura, segundo as declarações dos principais partidos, no rescaldo das eleições, é a repetição do modelo canónico: Governo do bloco de centro-direita, liderança da oposição pelo bloco de centro-esquerda.

Mas, quer o PS, quer o PSD – os dois partidos que têm repartido o pastoreio da Pátria durante a Terceira República – apanharam um abanão com a nova configuração do Parlamento.

No rescaldo das eleições, isto é, numa análise dos resultados já depois da contagem dos votos, o tom dominante é de catástrofe: o Governo durará 6 meses, ou ficará dependente da direita radical, pelo que entraríamos num período de incerteza, com eleições sucessivas, à espanhola.

Recordo que o melhor Governo de Cavaco Silva foi o primeiro, minoritário, que constituiu a base que o alcandorou às maiorias absolutas seguintes; e o melhor de António Costa foi igualmente o primeiro, o da geringonça, em que o PS não dispunha de maioria absoluta.

Aconteceu com António Costa o mesmo que sucedera com Cavaco Silva: as maiorias absolutas tendem a estragar as qualidades dos Governos que nelas se fundam.

Diminui o escrutínio.

E também o ocaso dos Governos de Cavaco Silva foi assombrado por “casos e casinhos”, como sucedeu com o último Governo de António Costa – o actual.

3 – Num Governo com êxitos comprovados no funcionamento da economia, no combate ao défice, na redução da dívida e do desemprego e no controlo da inflação, foram mesmo os “casos e casinhos” que lhe desgastaram a imagem.

Não era caso para menos.

Não é tanto, na minha opinião, a natureza, criminal ou não, dos casos que acompanharam as demissões de mais de uma dúzia de membros do Governo, durante os últimos dois anos.

Como já aqui referi, noutra crónica, a propósito do caso “Influencer”, e com a reserva de que não conheço o processo, tenho para mim que ao Poder Executivo é lícito, e desejável, estabelecer e favorecer possibilidades de investimento que promovam o desenvolvimento do País, desde que assegurada a transparência dos procedimentos e que não se verifique favorecimento pessoal.

Mas passou-se com os “casos e casinhos” de António Costa o mesmo efeito que tiveram as peúgas brancas do Cavaquismo, na narrativa semanal com que “O Independente” alimentava e promovia o estertor da década de Governos de Cavaco Silva.

Como disse acima, não foi o facto de se tratar ou não de crimes que provocou o efeito de devastação do Governo em funções.

Foi o facto de os “casos e casinhos” nos terem permitido, através da transcrição de conversas e opiniões, na imprensa, na televisão e nas redes sociais, conhecer intimamente as segundas linhas do Executivo: Secretários de Estado, assessores, adjuntos dos Gabinetes, secretárias, consultores e todos quantos, perante um microfone ou um gravador, não conseguem manter o silêncio ou a prudência.

Uma parte significativa do voto de protesto que é a marca destas eleições vem da comparação entre o nível da competência e dos salários dos cidadãos normais e o do pessoal dessas segundas linhas, cuja capacidade em sangrar o Estado, mesmo que dentro da lei, é inversamente proporcional à sua competência.

Claro que Luís Montenegro lá preveniu a AD, no discurso de vitória, de que não é tempo de os vencedores assaltarem os lugares e mordomias do Estado.

Ele sabe do que a casa gasta.

Mas já Guterres – que é Guterres! – proclamava, em 1995, “no jobs for the boys”; e viu-se.

4 – Voltando onde comecei: espero que Marcelo Rebelo de Sousa se engane – e que o ciclo continue sob o signo de Abril.

* Artigo publicado originalmente no site Solidariedade. pt.

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