Mobilidade urbana: Medidas prioritárias para o Orçamento do Estado

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Mobilidade suave (Imagem partilhada pela MUBI).

A MUBi apresentou ao Governo e partidos na Assembleia da República um conjunto de 16 medidas prioritárias para o Orçamento do Estado para 2024, que contribuirão para acelerar a transição para uma mobilidade urbana mais saudável, justa, eficiente e sustentável.

Por Rui Igreja *

As medidas incluem o reforço substancial de recursos humanos e financeiros para as estratégias nacionais para os modos activos (ENMAC e ENMAP), capacitação de organismos do Estado, apoios aos municípios para alteração do espaço físico e planeamento da mobilidade urbana sustentável, redução do risco rodoviário e incentivos ao uso da bicicleta, entre outras.

As políticas de mobilidade em Portugal têm falhado, como mostram claramente os resultados dos Censos 2021. O consumo de combustíveis fósseis rodoviários nunca foi tão elevado, as cidades estão mais congestionadas e poluídas e as emissões dos transportes – que não param de crescer – representam já perto de um terço das emissões totais nacionais.

O país só será capaz de cumprir os compromissos e metas de acção climática desta década com um amplo conjunto de políticas públicas que conduzam a uma significativa redução da utilização do automóvel particular, em especial nas áreas urbanas. No final da década, o andar a pé e a bicicleta deverão ser as principais opções de deslocação para quase metade dos portugueses, conforme determinam as Estratégias Nacionais para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC 2020-2030) e Pedonal (ENMAP 2030), perfazendo cerca de 1500 milhões de viagens pendulares por ano em modos activos. Como comparação, os Metros de Lisboa e do Porto transportaram em 2019 aproximadamente 250 milhões de passageiros.

Os benefícios em termos de saúde pública desta transformação são múltiplos, as nossas crianças ganharão a autonomia de que gozam diariamente milhões de crianças no resto da Europa, melhoraremos a produtividade laboral, e reduziremos o peso dos transportes nos orçamentos familiares (uma família que possa prescindir de um automóvel, poupa quatro mil euros por ano, em média). Ao mesmo tempo, estaremos a reduzir a poluição do ar e as emissões de gases com efeito de estufa, e a libertar valioso espaço urbano para outros fins. Tudo isso, de uma forma que comprovadamente funciona, rápida de implementar, acessível e sustentável.

Contudo, a estratégia nacional para a mobilidade pedonal (ENMAP 2030) foi publicada com dois anos e meio de atraso, e a estratégia nacional para a mobilidade em bicicleta (ENMAC 2020-2030), que já está no quinto ano de implementação, continua sem liderança política, sem recursos e a progredir a um ritmo extremamente lento, como a MUBi repetidamente tem alertado. Há alguns meses, e com uma extensa maioria de mais de 90% de votos favoráveis, a Assembleia da República instou o Governo a aumentar substancialmente os recursos humanos e financeiros para a execução destas estratégias. Esta foi a quarta vez, nos últimos três anos, que os deputados portugueses exortaram o Governo a cumprir a execução da ENMAC 2020-2030 e a prossecução dos seus objectivos.

A diferença de investimentos na mobilidade activa comparativamente a outros países europeus tem sido abismal. Por exemplo, um cidadão irlandês sabe que, per capita, até à hora de almoço o governo do seu país investiu tanto nos modos activos quanto o Orçamento do Estado para 2023 em Portugal destinou às estratégias nacionais para a mobilidade em bicicleta e para a mobilidade pedonal para um ano inteiro! Já em França, o governo vai investir dois mil milhões de euros até 2027 para impulsionar a utilização da bicicleta no país, a que se somam outros quatro mil milhões das autoridades locais e regionais, totalizando mais de 22 euros per capita por ano.

Contrariamente a muitos outros países europeus, o governo português excluiu a mobilidade activa do Plano de Recuperação e Resiliência e também do Programa Acção Climática e Sustentabilidade do Portugal 2030. Os programas regionais do PT 2030 destinam aos modos activos apenas cerca de metade do montante disponibilizado nos mesmos programas do Portugal 2020. Assim, cabe ao Orçamento do Estado ser a principal fonte de financiamento da transformação cultural, organizacional, fiscal e física para Portugal poder alcançar, até ao final da década, as metas inscritas na ENMAC 2020-2030 e na ENMAP 2030.

A utilização da bicicleta e o caminhar devem ser pilares das políticas de mobilidade e, por conseguinte, também nos instrumentos orçamentais. O Estado deverá investir pelo menos 200 milhões de euros por ano na mobilidade em bicicleta, e outro tanto na mobilidade pedonal. Note-se que a perda de receita fiscal resultante da redução ou suspensão de taxas e impostos sobre os combustíveis fósseis rodoviários ascendeu a mais de dois mil milhões de euros, só no último ano; e que as externalidades negativas do transporte rodoviário já em 2016 contabilizavam 16,8 mil milhões de euros por ano em Portugal, correspondendo a 7,2% do PIB nacional – o segundo valor mais alto de toda a Europa.

A MUBi apresentou ao Governo e partidos na Assembleia da República uma lista de 16 medidas prioritárias para o Orçamento do Estado para 2024, que contribuirão para acelerar a transição para uma mobilidade urbana mais saudável, justa, eficiente e sustentável:

  • Dotar as Estratégias Nacionais para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC 2020-2030) e Pedonal (ENMAP 2030) de recursos humanos e financeiros para acelerar a sua implementação;
  • Contratação e formação de técnicos das autarquias, comunidades intermunicipais e outros organismos de Estado nas áreas da mobilidade activa e sustentável;
  • Programa nacional de apoio ao desenvolvimento e implementação de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável, conforme recomendação da Comissão Europeia;
  • Apoios para os municípios implementarem alterações do espaço público no sentido de aumentar a segurança e conforto dos modos activos;
  • Alargar o ensino do uso da bicicleta a todos os alunos do 1.º e 2.º ciclo;
  • Campanhas para alteração da cultura de mobilidade;
  • Campanhas de sensibilização rodoviária;
  • Incentivo e apoio à criação de planos e acções de gestão da mobilidade;
  • Programa de incentivos às deslocações pendulares casa-trabalho em bicicleta;
  • Reforçar e tornar mais inclusivo o programa de apoios à aquisição de bicicletas;
  • Apoios à criação e expansão de sistemas de bicicletas partilhadas;
  • Instalação de parqueamentos para bicicletas nas interfaces de transporte;
  • Reactivação do programa Portugal Ciclável 2030;
  • Passe gratuito de transportes públicos extensível aos sistemas de bicicletas partilhadas;
  • Programa de apoio à micro-logística urbana em bicicleta;
  • Taxa reduzida de IVA para componentes e acessórios de bicicleta.

Os Orçamentos dos anos anteriores foram uma completa decepção para um país que ambiciona, nesta década, convergir com o resto da Europa na utilização da bicicleta como modo de transporte e reduzir os custos da elevada dependência do automóvel. O Orçamento do Estado para 2024 é, talvez, a derradeira oportunidade para este Governo e deputados mostrarem que estas metas são para cumprir, e não apenas para ornamentar discursos políticos.

* Coordenador do núcleo de políticas públicas da MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (www.mubi.pt).

Notas:

O documento completo que a MUBi entregou ao Governo e partidos na Assembleia da República, com as 16 medidas prioritárias para o OE 2024, está disponível em https://mubi.pt/wp-content/uploads/2023/10/MUBi-Medidas-Prioritarias-OE2024.pdf

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