Portugal, na última década e retirado o biénio 2020-2021 (por força do impacto da pandemia), tem mantido uma trajectória de crescimento económico e em alguns desses anos, apresentou mesmo um crescimento superior ao da média da Zona Euro ou da própria União Europeia, permitindo uma ligeira convergência com os valores de PIBpc seja da área da moeda única, seja da UE.
* Por Pedro Pimentel *
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Contudo, a distância a vencer continua a ser muitíssimo elevada. E se, por um lado, o crescimento daquelas duas geografias (que em boa medida se cruzam) tem desacelerado, muito por força da estagnação das economias mais poderosas, por outro, quando observamos a evolução das chamadas economias da coesão, verificamos que têm apresentado um crescimento muito mais rápido do que a portuguesa, gerando um aparente paradoxo: estamos a convergir, ainda que muito tenuemente, com a Europa, mas estamos a descer posições no ranking das economias nacionais no seio da União Europeia,
Por isso, para encurtar significativamente distâncias, a nossa economia não tem apenas que continuar a crescer, não tem apenas que continuar a crescer mais rapidamente do que a média europeia, tem, sim, que crescer a uma taxa muito mais ampla do que as dos restantes 26 (que, certamente, se estão a esforçar para fazer o mesmo), por forma a – digamos – no espaço de uma geração, deixarmos a cauda do pelotão e passarmos a integrar o grupo da frente das economias mais desenvolvidas do espaço europeu.
Sei que esta ‘conversa’ foi sendo infinitamente repetida nas últimas décadas e que a cada novo Governo, a cada novo Ministro da Economia, há a mensagem do ‘agora é que vai ser’ e, em muitos casos, a apresentação de um novo conjunto de medidas de dinamização da actividade económica.
Vale também a pena não esquecer que o Ministério da Economia tem vindo a perder relevância na hierarquia governativa, tem vindo a perder, persistentemente, margem de manobra na nossa economia e que desde, pelo menos, a segunda metade do Governo Passos Coelho, lhe foi retirada a gestão dos instrumentos comunitários de apoio ao tecido económico, diminuindo a sua esfera de intervenção e o seu peso político.
Por isso (ou apesar disso) e também porque o executivo mudou de cor política, não espantou a apresentação – ainda antes de completados os 100 dias de governação – do Programa ‘Acelerar a Economia’, também identificado como ‘Pacotão’. Um programa amplo, com sessenta medidas e que, de acordo com o Governo, pretende ‘atacar’ pelo menos oito dos principais desafios identificados para a Economia Portuguesa: simplificação, inovação, sustentabilidade, empreendedorismo, consolidação, escala, talento e internacionalização. Um sexto daquelas medidas é de natureza fiscal, as restantes incidem sobre matérias de política económica.
Não envolvendo outros 12 desafios identificados para a nossa Economia – reindustrialização, descarbonização, produtividade, capitalização, digitalização, competitividade, transparência, financiamento, desmaterialização, qualificação, concorrência e clusterização – parece ficar implícito que, mais à frente, surgirá pelo menos um segundo Pacotão.
Em apoio ao menu das referidas sessenta medidas, foi igualmente divulgado um documento de enquadramento, que pretende, em um ou dois parágrafos, fornecer alguma luz sobre o que pretende com cada uma delas. Forçosamente uma explicitação curta e bastante genérica que permite apenas vislumbrar a forma como se pretende dar resposta a cada um daqueles objectivos/medidas.
Num programa de largo espectro – que mistura um conjunto de medidas transversais com outras mais focadas – há sempre quem se sinta menos acarinhado do que o vizinho do lado, quem sinta que o seu problema não foi devidamente endereçado, quem entenda que o programa não responde a desafios que entende como prioritários. E, por isso, a maior parte das críticas do tecido económico correspondem mais à ausência de medidas do que à inadequação das medidas propostas.
Essa é também, de certa forma, a visão que temos do programa ‘Acelerar a Economia’. Nenhuma especial discordância sobre o proposto, pelo menos em face dos dados que dispomos nesta altura.
Satisfação por vermos inseridas medidas que nos parecem ter a capacidade de melhorar, mais ou menos profundamente, a conjuntura económica actual e dinamizar a competitividade externa do país. Exemplos: a redução gradual do IRC até 15%, claro, mas também a criação do regime dos grupos de IVA ou o aumento da elegibilidade (ainda que se continue ao nível dos pequenos contribuintes) do regime de IVA de caixa.
Muito importante, o lançamento do plano “Estado a pagar em 30 dias” (que esperamos não seja meramente utópico e tenha um efeito pedagógico sobre o tecido económico), tal como o Programa Nacional de Protecção da Inovação, complementado pela revisão do Código da Propriedade Industrial. Relevantes, também, as medidas ‘Indústria 2045’ e a aceleração da economia circular no comércio e serviços.
Para o fim deixo a ‘afirmação da Marca Portugal no contexto global’ e o Programa de Internacionalização de Empresas e Marcas Nacionais, que, esperemos por uma qualquer incorrecção de redação, parece estar apenas focado na área do turismo.
Uma economia que precisa de acelerar, uma economia que precisa de acelerar bem mais fortemente que os seus parceiros económicos de referência, tem de crescer muito em valor e isso pode passar por aumentos dos volumes produzidos ou por aumentos de valor dos bens e serviços que produzimos (ou, obviamente, pela combinação dos dois factores).
Considerando a dimensão do país e as limitações de investimento e de talento, o crescimento terá de surgir muito mais pela pista do valor do que pela pista do volume. E essa construção de valor pode, em larguíssima medida, ser obtida a partir da sempre difícil e complexa, mas sempre incontornável, construção de marcas. Marcas muito fortes internamente, marcas cada vez mais fortes no plano internacional, marcas que tenham a ambição de se tornarem relevantes no contexto global.
Por isso, é muito importante que a afirmação da Marca-Portugal não se converta numa questão meramente estética e de afirmação quase exclusiva do (importante) Portugal Turístico e possa funcionar como um potente íman de atracção de investimento, de inovação e de talento. E que o referido programa de internacionalização seja consequente, canalizando apoios financeiros, mas também apoios técnicos e humanos, para a globalização de marcas (privadas) portuguesas.
Do lado das ‘ausências’, entendemos que teria sido positivo encontrar referência neste programa à questão da harmonização do IVA Alimentar, uma questão que seguramente não é matéria exclusiva do Ministério das Finanças e em que há um papel dinamizador e sensibilizador da parte dos dois Ministérios que têm a tutela do sector: Agricultura e Economia.
Como ainda na componente-Marca e mais especificamente no descritivo relativo à Revisão do Código da Propriedade Industrial, seria relevante ter inserido a questão da regulação das cópias parasitárias enquanto tópico prioritário. Ou perceber, mais explicitamente, a ligação entre o Plano “Estado a Pagar em 30 dias” com as novas pistas legislativas europeias em matéria de prazos de pagamento e com regras que tenderão a afectar Estado e particulares.
Há, ainda, duas outras pistas que repetidamente temos referenciado e que, não surgindo neste Programa, temos a expectativa que possam vir a ser inseridas no suposto Pacotão II, até porque envolvem desafios já identificados – concorrência, competitividade e transparência – mas que não foram endereçados agora.
Refiro-me ao posicionamento ao nível da futura revisão da Directiva de Práticas Comerciais Desleais e seu impacto na legislação PIRC portuguesa (inclusive no capítulo dos prazos de pagamento) e à questão estrutural da escassez de meios para monitorização e fiscalização de mercado, aspecto essencial para a concretização de objectivos de leal concorrência e de transparência da cadeia de valor.
Este é, pois, o tempo do ‘Vamos Fazer’ (ou, se calhar, do ‘Deixem-nos Fazer’). Relevante, sem dúvida, mas menos importante do que o momento do ‘Fizemos’. Momento de prestação de contas e de escrutínio, em tempo útil, e a que apesar de, infelizmente, estarmos pouco habituados, deveria ser básico numa economia dinâmica, numa sociedade responsável, numa governação transparente.
* Diretor-Geral da Centromarca. Artigo publicado originalmente em Centromarca Blog.
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