As alterações climáticas colocam hoje desafios de grande importância ao setor agrícola. O setor agrícola apresenta uma posição singular neste domínio, pois tem uma incidência ambivalente nas alterações climáticas e nos restantes processos de degradação ambiental.
Primeiros subscritores
Elisabete Figueiredo, Universidade de Aveiro
Filomena Martins, Universidade de Aveiro
Miguel Viegas, Universidade de Aveiro
Sara Moreno Pires, Universidade de Aveiro
Por um lado, contribui com uma parte significativa das emissões de gases com efeito de estufa, pode levar ao declínio da biodiversidade, à perda de solo e à escassez hídrica. Por outro lado, o setor agrícola tem a particularidade de poder contribuir de forma significativa para o sequestro de CO2, seja nos solos, seja na biomassa e propiciar também a recuperação da biodiversidade, a regeneração do solo e um uso mais eficiente da água. Finalmente, nunca é demais sublinhar que este setor sofre, e sofrerá, como nenhum outro, as consequências das alterações climáticas e dos restantes processos de degradação ambiental global.
O setor agrícola é responsável no seu todo por cerca de 20% das emissões de gases com efeito de estufa a nível mundial. Ao contrário de outros setores, as emissões não decorrem principalmente do uso de combustíveis fósseis. São antes a consequência dos processos biológicos animais e vegetais ligados à fixação e perda de carbono e de azoto. O contributo do setor agrícola para a redução global de 40% das emissões de CO2 até 2030 vai muito para lá da questão energética.
Estima-se que a população mundial deverá ultrapassar os 9 mil milhões de habitantes até 2050. A resposta a este aumento da procura mundial de alimento implica uma criteriosa gestão dos recursos e uma distribuição mais justa e equilibrada da produção, garantindo a cada país um mínimo de soberania alimentar.
O setor agrícola está hoje confrontado com estes múltiplos e por vezes contraditórios desafios que passam por:
Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa;
Diminuir os consumos energéticos;
Adotar as práticas necessárias para a preservação dos solos, da água e da biodiversidade;
Reduzir a perda de alimentos na fase de produção agrícola;
Adotar práticas que minimizem o uso de fertilizantes químicos;
Garantir a rentabilidade das explorações e criar condições para o rejuvenescimento dos agricultores e a fixação da população rural.
A União Europeia aprovou recentemente o Quadro Financeiro Plurianual para 2021-2027. Com a aprovação dos vários regulamentos da Política Agrícola Comum (PAC) cabe agora aos Estados Membros a elaboração dos Planos Estratégicos que irão estabelecer o quadro de aplicação nacional dos vários envelopes financeiros da PAC. Este é, portanto, um momento decisivo para serem tomadas as medidas necessárias para alinhar o setor agrícola português com os desafios climáticos e ambientais globais, garantido assim um contributo importante para a estabilização do clima.
Nós, cidadãos abaixo-assinados, vimos por este meio, colocar ao governo português a necessidade imperiosa de criar desde já os instrumentos políticos necessários para encetar esta transição ecológica da nossa agricultura e de convocar um alargado debate nestas matérias, abrangendo todos os quadrantes da sociedade portuguesa. Estes instrumentos devem, de forma inequívoca, orientar as práticas agrícolas bem como as restantes políticas de desenvolvimento rural para a sustentabilidade ambiental, social e territorial do nosso país, reduzindo a dependência alimentar que temos de outros países.
Na negociação do Plano Estratégico para a agricultura portuguesa a realizar com a Comissão Europeia, apontamos desde já para as seguintes linhas estratégias que julgamos indispensáveis para a sustentabilidade da agricultura portuguesa:
Promover uma distribuição mais equilibrada dos fundos entre agricultores, entre culturas e entre políticas, tirando maior partido dos instrumentos existentes e reforçando o desenvolvimento rural;
Garantir estruturas de apoio aos agricultores na elaboração das candidaturas e o acompanhamento técnico adequado bem como o reforço das estruturas desconcentradas do ministério da agricultura;
Reforçar significativamente, face ao atual Programa de Desenvolvimento Rural, as verbas associadas à melhoria das funções do solo, de mitigação e adaptação às alterações climáticas, à melhoria da biodiversidade e eficiência no uso de fatores de produção, considerando ainda a importância das cadeias curtas e mercados locais.
Aproveitar a maior liberdade de ação prevista na PAC pós 2021 para uma maior ambição e realismo nos instrumentos de remuneração dos serviços ecossistémicos, com contratos de maior duração que sejam promotores de uma mudança alinhada com os objetivos da Política Ambiental e de outras políticas setoriais.
Ao publicar este manifesto, queremos contribuir para a elaboração de uma política de desenvolvimento rural que permita garantir fontes de alimentação seguras, de qualidade e ambientalmente sustentáveis, em condições que permitam aos agricultores verem remunerados os seus esforços. Fazemo-lo com a consciência da necessidade de políticas públicas que permitam remunerar o que o mercado não está em condições de fazer. Fazemo-lo convictos da resiliência do setor agrícola português e da sua capacidade para participar neste esforço global que se exige a toda a sociedade para vencer este desafio da humanidade, em defesa do mundo rural e do combate às alterações climáticas.
O manifesto em defesa da sustentabilidade da agricultura portuguesa, subscrito por mais de uma centena de académicos de um conjunto de instituições de ensino superior de norte a sul do país (incluindo regiões autónomas), pretende contribuir para este debate, que deve ser aberto à sociedade. Enviado à Ministra da Agricultura e ao presidente da Assembleia da República. Nas próximas semanas, será organizado por este coletivo um debate que envolva, para além da comunidade académica, as associações com intervenções no desenvolvimento e preservação do mundo rural.