As IPSS são particularmente vulneráveis à inflação e ao aumento dos gastos com pessoal. Por um lado, trata-se de um serviço de pessoas a cuidar de pessoas, que não podem ser substituídas por máquinas e que requerem uma especialização cada vez maior. Isto obriga este tipo de Instituições a comportar quadros bastantes pesados de recursos humanos.
Por Lino Maia *
Este primeiro fator está patente na estrutura de custos destas Instituições: enquanto que para as empresas não financeiras o peso dos gastos com pessoal no total dos gastos operacionais, em 2021, é de 16%, nas IPSS o seu valor ascende a 65% do total dos gastos operacionais. Para reforçar este fator é de notar que, tirando a direção técnica e alguns quadros mais especializados que, dependendo das respostas sociais em funcionamento, podem ser integrados (psicólogo, nutricionista, sociólogo, etc.), a maior parte do pessoal ao serviço tem remunerações-base próximas do salário mínimo nacional. Ora, dada a expectativa de aumentos de, em média, 6% ao ano entre 2022 e 2026, ano em que se prevê que a remuneração mínima atinga os 900 euros, as Instituições podem não ser capazes de acomodar este aumento salarial nos serviços prestados, levando a uma progressão de resultados negativos que ponham em causa a sua sustentabilidade. Note-se a especificidade do trabalho das IPSS (pessoas a cuidar de pessoas) não permite acomodar estes aumentos nas remunerações com aumentos equivalentes na produtividade do trabalho.
Acresce a esta situação o facto das outras componentes do custo do serviço prestado (matérias-primas, gás, eletricidade, utensílios de desgaste rápido, bens de higiene e saúde, etc.) terem também aumentado substancialmente: em 2022, segundo o Boletim Económico – junho 2023, a inflação atingiu os 8,1% e projeta-se que feche o ano de 2023 nos 5,2%. Em 2024 e 2025 a projeção atual aponta para, respetivamente, 3,3% e 2,1%, ainda acima do target de 2% do BCE.
Porque é este cenário particularmente preocupante para a sustentabilidade das IPSS? Dada a sua natureza de prestação de um serviço social, que dá prioridade aos mais vulneráveis e procura servir os mais pobres em primeiro lugar, muitas vezes os utentes não têm capacidade para pagar um valor que cubra o custo real do serviço que lhe é prestado. Porém, mesmo que o utente tenha capacidade para ajustar a mensalidade para acomodar o aumento de custos com pessoal e inflação descritos, legalmente esse aumento não pode ultrapassar os 5% ao ano, que se afigura abaixo dos 6% de aumento do salário mínimo e da inflação em 2023. É por isso fundamental que os acordos públicos, particularmente com a Segurança Social, possam garantir a salvaguarda dos serviços prestados dentro do panorama de subida dos gastos verificada e esperada. Fora essa opção restam às IPSS duas vias: redução de despesa ou aposta em meios alternativos de obtenção de rendimentos (mecenato, gestão de imóveis, aposta em áreas de serviços como a restauração, serviços de jardinagem, lavandaria, etc.), sendo que para uma grande parte do tecido de IPSS, dada a sua localização e constituição, estas opções são difíceis de concretizar.
O que os dados nos mostram é que, em termos do peso das mensalidades no total de rendimentos, a sua importância cresceu para as IPSS entre 2016 e 2019 (dados da amostra de 565 IPSS confirmados na amostra de 1000 IPSS), mas esse peso decresceu progressivamente em 2020 e 2021 (em 2019 o valor observado era de 32% enquanto que em 2020 e 2021 foi de 29% e 28%, respetivamente). Já no caso do peso das comparticipações da Segurança Social no total de rendimentos o comportamento é inverso: a sua importância decresceu para as IPSS entre 2016 e 2019 (dados da 1ª série confirmados na 2ª), mas aumentaram em 2020 e 2021 (em 2019 o valor observado era de 39% enquanto que em 2020 e 2021 foi de 41%).
Além dos resultados atrás apresentados que evidenciam situações de liquidez e de solvabilidade sustentáveis, há outros rácios representativos da estrutura financeira das IPSS que dão menos garantias da sua sustentabilidade. Por um lado, as IPSS apresentam uma rotação do ativo menor que as empresas não financeiras (em 2021 este rácio foi de 0,5 para as IPSS, enquanto que para as empresas não financeiras e organizações da CAE 87 e 88 foi de, respetivamente, 0,6, 0,6 e 0,9), o que traduz uma menor capacidade inerente ao setor de rapidamente transformar o seu ativo em meios líquidos para sustentar os custos dos serviços que presta. Adicionalmente, a rendibilidade operacional é inferior à observada nas empresas não financeiras e no sector social dito lucrativo, o que demonstra uma menor capacidade das IPSS em gerar ganhos por cada unidade monetária (serviço prestado) vendida, comparativamente com as empresas com fins lucrativos.
* Presidente da CNIS – Confedereação Nacional das Instituições de Solidariedade. Editorial do jornal Solidariedade.pt.
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