IPSS ou empresas sociais: uma reflexão que urge fazer

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Imagem genérica.

No atual cenário europeu, o conceito de empresa social tem vindo a ganhar relevância, impulsionado por uma crescente preocupação com a sustentabilidade e o impacto social. É assunto recorrente em várias reuniões em que tenho estado, como imposição da União Europeia e já em uso em vários países.

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Contudo, em Portugal, o enquadramento jurídico das empresas sociais ainda não é uma realidade, o que coloca questões importantes para o setor social e solidário, em particular para as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). Tenho a perceção que se está a caminhar para esta nova designação, julgo que é crucial analisar os desafios que esta nova designação poderá trazer ao tecido da economia social, e como isso poderá afetar o equilíbrio entre inovação e tradição que tem sustentado o setor solidário no nosso país.

A introdução das empresas sociais em Portugal poderá ser vista como um passo necessário, ou mesmo inevitável, para a modernização das respostas aos problemas sociais. Estas entidades, que operam com um modelo híbrido entre o lucro e a missão social, têm o potencial de dinamizar a oferta de serviços sociais e promover maior eficiência na alocação de recursos. Contudo, há questões que se levantam sobre como essas empresas poderão coexistir com as estruturas já estabelecidas, nomeadamente as IPSS. Será possível integrar este novo modelo sem comprometer os valores fundamentais da economia social? Ou estaremos a criar um espaço de competição onde antes existia solidariedade, colaboração e complementaridade?

Um dos principais desafios que se coloca ao setor social e solidário em Portugal pode ser o da concorrência direta entre as empresas sociais e as IPSS. Estas últimas têm sido, durante décadas, os pilares do apoio social em Portugal, oferecendo respostas consolidadas e profundamente enraizadas nas comunidades locais. A sua ação é sustentada por uma rede de confiança construída ao longo de muitos anos, e as suas infraestruturas, embora por vezes limitadas em recursos, são indispensáveis ao funcionamento do sistema de apoio social. O surgimento das empresas sociais só pode fazer sentido se vier a garantir maior estabilidade, permitindo a prestação de outros tipos de serviços. Só compreendo a aceitação das empresas sociais se mantiverem uma missão social, e não se desviar o foco dos objetivos de coesão social que as IPSS defendem.

Por outro lado, não podemos ignorar que as empresas sociais trazem consigo uma nova abordagem para os problemas sociais, pautada pela inovação, agilidade e capacidade de adaptação às mudanças constantes das necessidades das populações. Elas introduzem um dinamismo que, em certos casos, tem faltado às IPSS, presas a estruturas rígidas e a modelos de financiamento que não incentivam a inovação. Esta capacidade de disrupção é um dos pontos fortes das empresas sociais, mas levanta também o risco de uma desvalorização das soluções tradicionais, que embora menos inovadoras, têm provado ser eficazes na resposta a necessidades sociais de longo prazo. O verdadeiro desafio para a economia social será, portanto, encontrar uma forma de harmonizar estas duas realidades: a inovação das empresas sociais e a experiência consolidada das IPSS.

A regulamentação das empresas sociais, a curto ou médio prazo, deverá abordar esta questão de compatibilização entre modelos. O reconhecimento jurídico destas entidades não pode ocorrer em detrimento das instituições já estabelecidas, sob pena de enfraquecer o setor social como um todo. Uma regulamentação eficaz deverá, assim, promover a incorporação nas empresas sociais, a identidade, missão e valores das IPSS.

Neste sentido, é essencial que se valorize o papel histórico das IPSS no panorama social português. Estas organizações, apesar das suas limitações, foram as precursoras do empreendedorismo social em Portugal. Quando o Estado se mostrou incapaz de responder às necessidades emergentes, foram as IPSS que preencheram esse vazio, criando respostas eficazes e duradouras. O surgimento das empresas sociais não pode, por isso, ser visto como uma substituição das IPSS, mas sim como uma oportunidade para complementar as suas ações, introduzindo uma nova energia e capacidade de inovação nos processos já estabelecidos.

A inovação social, representada pelas empresas sociais, não deve ser encarada como um fim em si mesma, mas como um meio para alcançar soluções mais eficazes e sustentáveis. Contudo, para que estas soluções sejam verdadeiramente eficazes, é necessário que se baseiem numa apropriação do que de bom está, tradicionalmente, já demonstrado ter capacidade de intervenção no terreno. Por outro lado, há que ter em vista até que ponto esta esta transformação terá impacto social, onde tanto a inovação quanto a tradição tenham o seu espaço, e onde as necessidades das comunidades estejam sempre no centro das atenções.

Penso que nenhum promotor social se oporá à alteração da designação da atual IPSS se ela garantir uma forma adequada de ser uma oportunidade segura para renovar o setor social em Portugal. As IPSS poderão, assim, beneficiar do dinamismo trazido por estas novas entidades, incorporando inovação nos seus modelos de gestão e operação, e garantindo assim a sua sustentabilidade a longo prazo.

É, por isso, fundamental que o debate sobre estas possíveis transformações seja feito com o máximo rigor e com uma visão clara de futuro. Não valerá a pena se não houver um impacto profundo no setor social nas próximas décadas, e será essencial garantir que essas decisões são tomadas com base numa compreensão aprofundada dos desafios e das oportunidades que o surgimento da transformação conseguir. Em última análise, o objetivo deverá ser sempre o mesmo: maximizar o impacto social e garantir que as populações mais vulneráveis são apoiadas de forma eficaz e sustentável.

Assim, o desafio que se coloca ao setor social português não é apenas o da inovação, mas também o da colaboração. A alteração de que se vem falando, venha a representar uma mais-valia significativa para o nosso sistema de apoio social, mas será essencial que a sua integração seja feita de forma harmoniosa. Se formos capazes de criar um ambiente de colaboração entre estas duas realidades, poderemos transformar o setor social em Portugal, garantindo uma resposta mais eficaz, mais inovadora e, acima de tudo, mais justa para aqueles que mais necessitam.

Pessoalmente, não tenho uma opinião formada. Receio que venha a ser algo imposto pela União Europeia num país que tem designações milenares tão diversas. Por isso, é importante começar, desde já, a debater este possível ou não mudança.

* Artigo publicado originalmente no site Solidariedade.pt.

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