Investimento na rede de cuidados continuados

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Unidade de Cuidados Continuados, Misericórdia de Ílhavo.

Há muito que venho chamando a atenção para a forma como as necessidades específicas da população mais idosa no nosso País não têm sido bem resolvidas.

Por José A. Silva Peneda *

O maior problema resulta do facto das respostas que os setores da saúde e da segurança social vêm desenvolvendo revelarem claras dificuldades de articulação entre si. O idoso é “cliente” do sistema de saúde e o idoso é “cliente” do sistema de segurança social, com abordagens separadas e distintas. Alguns episódios vividos durante a crise provocada pela pandemia foram bem ilustrativos dessa débil articulação.

Tenho insistido que desta visão parcelar dos problemas do idoso é forçoso que se passe para uma outra conceção em que o idoso passe a ser o “centro” de atuação dos dois sistemas, o que significa proceder a uma reforma simultânea dos dois setores – saúde e segurança social – até aqui excessivamente departamentalizados em sistemas verticais, que terão de passar a exibir sinais de organização mais horizontal, que permita dar uma resposta integrada e global aos crescentes problemas que resultam do envelhecimento da população.

Sabemos que o aumento de doenças de evolução prolongada e com elevado grau incapacitante vai traduzir-se em mais necessidades de cuidados continuados. Esse esforço exige uma maior articulação entre os dois setores para garantir uma maior eficácia na prestação deste tipo de serviço. Mas a verdade é que estamos muito longe de encetar essa caminhada. Prova disso foi a publicação em 30 de março da Portaria 134-A/2022, que aprova o regulamento de atribuição de apoios financeiros para a concretização de investimentos na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e da Rede Nacional de Cuidados Paliativos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência.

Em primeiro lugar, estranhei que um diploma legal que pretende envolver Misericórdias e Instituições Particulares de Solidariedade não seja assinado pela Ministra da Solidariedade e apenas pelo Ministro das Finanças e pela Ministra da Saúde. É um mau sinal. Mais uma vez prevalece a visão exclusiva de um setor. Em segundo lugar, tal como o regulamento está escrito muito dificilmente as instituições sociais poderão aderir às iniciativas, tal como são propostas. Está provado que investimentos de módulos abaixo de 40 camas são ruinosos. O mínimo para rentabilizar este tipo de equipamentos exige um investimento de mínimo de 4 milhões de euros e o Estado através desta Portaria propõe-se financiar apenas 30% do investimento.

Em terceiro lugar, há neste processo uma inaceitável ausência de diálogo e que revela uma grande contradição entre as posições publicamente assumidas pelo Primeiro-Ministro, ainda muito recentemente por ocasião da assinatura do Pacto de Cooperação e, por várias vezes, pelo Presidente da República. Uma posição de boa-fé levaria a que, antes da publicação da referida portaria, fossem ouvidos os destinatários deste regulamento, sob pena de a sua publicação se revelar uma inutilidade, que é o que provavelmente irá acontecer.

A reforma conjunta da saúde e do setor social é justificada também por outras razões. Assim, perante um quadro que irá ter um impacto crescente na despesa, o incremento da cooperação entre os dois setores obriga a repensar e a conceber de forma conjunta novos modelos de captação de fundos, de afetação de recursos, de organização e gestão da prestação de cuidados.

Outra justificação para que essa reforma aconteça tem a ver com o aumento de doenças relacionadas com a demência que vai colocar o problema de retardar a institucionalização das pessoas idosas evitando a sua integração em equipamentos coletivos privilegiando um novo tipo de serviço de apoio domiciliário que, além das componentes básicas de apoio, possa incluir serviços básicos de saúde com apoio tecnológico. A articulação entre os setores da saúde e da segurança social vai tornar-se ainda fundamental no apoio aos cuidadores informais em formação, capacitação e de apoio psicossocial.

Os autores da Portaria 134-A/2022 não perceberam que, no nosso tempo, os governos são apenas mais um centro de decisão entre outros que influenciam a vida dos cidadãos. Enganam-se aqueles que pensam que a força política de quem governa resulta apenas da legitimidade democrática. Essa força é consequência, também e cada vez mais, da capacidade de relacionamento entre governos e diferentes parceiros económicos e sociais.

Estamos perante o limiar de uma nova forma de governar que se justifica se atentarmos que os problemas são de tal monta e tão graves que não são possíveis de solução na base de um único agente ou governo, por mais poder com que se apresente.

Ora esta atitude obriga a que plataformas de diálogo funcionem se possível, de modo estruturado com os principais agentes económicos, sociais e culturais. Os autores da referida Portaria não perceberam o tempo que vivemos. É pena.

* Licenciado em Economia, ex Conselheiro Principal do Presidente da Comissão Europeia, Artigo publicado originalmente no site Solidariedade.pt.

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