O AVC é uma das principais causas de morte e a principal causa de incapacidade adquirida na idade adulta, mundialmente. Com o aumento verificado na longevidade das populações, os sobreviventes de AVC que ficam com sequelas limitantes da sua funcionalidade e qualidade de vida, vivem muitos anos com as referidas sequelas.
Por Jorge Jacinto, Joana Saldanha, António Neto, Daniel Cardoso *
Assim, torna-se cada vez mais importante proporcionar-lhes a melhor reabilitação possível em tempo útil. Isto é, quando as lesões que sofreram ainda estão em processo recuperação neurológica, de forma a que, através de uma intervenção multimodal e multiprofissional em Medicina Física e de Reabilitação, possamos potenciar a reabilitação da funcionalidade e prevenir a adopção de estratégias mal adaptativas ou o aparecimento de complicações secundárias que venham agravar o prognóstico funcional e mesmo vital.
Para que os sobreviventes de AVC cheguem de forma atempada aos serviços dos Centros de Reabilitação, para serem integrados em programas multimodais, multiprofissionais e intensivos, a referenciação dos mesmos deve ser célere e criteriosa. Por outro lado, às equipas destes serviços, compete-nos trabalhar de forma concertada e focada nos objetivos de cada utente e seus próximos. Procurando assim potenciar as melhorias funcionais e as adaptações sociais e ambientais necessárias à redução do grau de limitação funcional e social, para possibilitar o retorno do sobrevivente de AVC ao seu domicílio e ao seu contexto social o mais precocemente e com menor número de alterações possíveis.
Somos serviço de reabilitação que trata o maior número de doentes com sequelas de AVC para reabilitação em regime de internamento a nível nacional (Serviço de Reabilitação de Adultos 3, do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão). Na senda da melhoria contínua dos serviços prestados e dos resultados obtidos com o nosso trabalho, realizámos o trabalho científico cujo resumo aproveitamos para partilhar neste fórum, e que já partilhámos no Congresso Mediterrânico de MFR de 2023, em Roma, mas voltaremos a partilhar em mais detalhe no próximo Congresso da Sociedade Portuguesa de MFR, em setembro próximo:
O estudo intitulado “Quando chegam e quanto melhoram os doentes com sequelas de AVC num Centro de Reabilitação?”, pretendeu analisar os doentes internados por sequelas de AVC no Serviço de Reabilitação de Adultos 3 do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (SRA3-CMRA) durante o ano de 2022. Os principais objetivos foram: investigar as características sociodemográficas dos pacientes, determinar a proporção de casos de AVC isquémico e hemorrágico, analisar os tempos de espera e de internamento, bem como os ganhos em funcionalidade e o destino dos após a alta.
Da base de dados de todos os doentes internados no CMRA ao longo de 2022, foram analisados os adultos internados no SRA3-CMRA por sequelas de AVC. O Serviço internou 333 doentes com sequelas de AVC em 2022: 63% masculinos, em média com 60,6 anos de idade; 32% AVC hemorrágicos e 68% AVC isquémicos. À admissão, no primeiro internamento a Medida de Independência Funcional – MIF foi, em média, 72.8/126.
O número de dias desde o AVC até à primeira Consulta no SRA3-CMRA para primeiro internamento foi de 50 dias e desde a primeira consulta até à admissão no internamento foi, em média, 34 dias, ou seja, em média os utentes chegaram ao internamento de MFR 84 dias após o evento cerebral. O tempo médio de internamento no SRA3-CMRA foi de 64 dias e a evolução da funcionalidade desde a admissão até à alta, medida pela MIF, foi, em média, de 15 pontos. Após a alta hospitalar, 87% dos pacientes regressaram ao domicílio (22% com apoio domiciliário).
Os resultados descritos não são ideais no respeitante aos tempos de espera, mas podemos verificar que, em 2022, o SRA3-CMRA admitiu os doentes para primeiro internamento antes dos 3 meses (ainda na janela post-aguda) após o evento e a evolução da MIF foi de 1 ponto a cada 5 dias, demonstrando eficácia do Programa de Reabilitação intensivo realizado em regime de internamento. Apenas 1/5 dos casos corresponderam a re-internamentos e nesses casos verificou-se uma melhoria de 11 pontos na MIF (1 ponto a cada 7 dias) , o que revela: seleção criteriosa de doentes, com necessidade/potencial para melhorar mais num segundo episódio de internamento. O facto de estes reinternamentos terem ocorrido em média 14 meses depois do AVC, veio demonstrar que em casos selecionados, podemos continuar a obter melhoria funcional com programas de reabilitação após a marca dos 12 meses.
A grande maioria dos pacientes (87%) teve alta para o domicílio após a alta, revelando que os resultados funcionais conseguidos permitiram em geral a integração no contexto prévio e que incluir nas equipas de reabilitação os técnicos de serviço social é relevante.
Continuaremos a trabalhar com todos os parceiros envolvidos na referenciação atempada e, internamente, na agilização dos processos administrativos e dos programas de reabilitação. A nossa missão é a de otimizar os resultados logrados pelos nossos utentes e diminuir os impactos negativos do AVC nas suas vidas, nas dos seus próximos e na sociedade em geral.
* Médicos do Serviço de Reabilitação de Adultos do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. Artigo difundido a pretexto do Dia Mundial do Cérebro (22 de julho).
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