Transformar o Bairro e o Centro da Cidade num “parque temático” não interessa a ninguém, nem aos Cagaréus e Ceboleiros, nem aos que por lá comerciam, nem mesmo aos da diversão noturna e turistas.
PLATAFORMAcidades – Grupo de reflexão cívica *
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Síntese
A propósito do Estudo Prévio (EP1) do Projeto para o Rossio agora apresentado pela Câmara Municipal de Aveiro (CMA) (*1) o que se nos oferece e as ilações que tiramos deste processo são, de momento e em síntese, as seguintes.
. O atual Estudo Prévio é melhor do que a Versão Base anterior.
. Há nele, ainda, aspetos que podem e devem ser melhorados, outros havendo que, no Rossio ou fora dele, só a vivacidade entrincheirada do debate justifica a sua desconsideração. São oportunidades, ameaças e opções que carecem de reflexão serena e decisões corajosas: as vantagens os riscos ou os prejuízos para os cidadãos e para a Cidade são muitos e, nalguns casos, dificilmente reversíveis.
Importa, portanto, sublinhar e reter que a participação e debate públicos trouxeram ganhos que são agora património e mérito dos envolvidos: cidadãos e movimentos cívicos; associações; partidos políticos e autarquia.
Disso decorre, do nosso ponto de vista, a necessidade de obviar roturas e de prosseguir o debate, (i) quer para a melhoria continuada do Projeto – nele incluindo o Bairro e outros seus problemas (diversão noturna, gentrificação e perda de identidade, p.e) – (ii) quer para o contextualizar noutros projetos PEDUCA (*2) e noutras iniciativas ainda sem projeto (a zona da Lota, o Canal da Cidade e o da Veia, p.e), (iii) quer, finalmente, para com ele incluir, na agenda de todos, o muito mais que também interessa ao Bairro e à Cidade-região e que, mesmo quando esquecido, continua a ser responsabilidade de todos nós.
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O que melhorou
O espaço agora proposto é um pouco menos inóspito, um pouco mais doméstico, sem os equipamentos desnecessários e com as redes e os sistemas de infraestruturas adequados e modernos.
. O espaço público ganhou alguma clareza.
Nos espaços de circulação a área dos passeios associado às edificações é significativamente mais generosa. Os de circulação partilhada, da Rua João Mendonça, p.e, são de piso contínuo, de nível, com sentido único (Pontes Rossio) para as viaturas (*3).
Nos espaços de estadia e interação social, agora um pouco maiores e algo mais contidos, há maior ludicidade, designadamente nas Ruinas da Capela e nos Pontos de Vista e Conversadeiras da Ponte-Praça.
. A área de verde e jardim aumentou significativamente, e a dedicada a eventos foi reduzida para cerca de metade.
. A área de circulação exclusivamente mecânica é menor e reduzida a duas faixas, com acréscimos de passeios, na Praça Humberto Delgado e Rua Clube dos Galitos.
. O acesso automóvel aos moradores do Bairro parece estar fisicamente condicionado e passível de um controle eficaz.
. O Parque de Estacionamento, que agora pode ser também (pontualmente) salão de festas, tem uma capacidade um pouco menor – recebendo mais 120 carros do que os que hoje estacionam à superfície no Rossio – e pode dispensar o acesso a partir do Centro e Rua João Mendonça, servindo-se, apenas, da entrada e saída do lado poente: Rua João Afonso e extensão à Lota.
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O mais que importa melhorar
Em julho de 2018 sustentámos que esta iniciativa era “inoportuna” e o projeto “desadequado”, sublinhando que “[era] preciso que nos [concentrássemos] no que [tínhamos] de fazer hoje para garantir uma melhor Cidade amanhã” (*4). Identificámos, então, outros problemas e ameaças – bem mais críticos –, e outros modelos urbanísticos e de governança – bem mais adequados – assumindo que tínhamos de saber e poder mais para tentarmos fazer melhor, quer no Rossio, quer no mais para que a vida da Cidade nos convoca: é isso que temos vindo a fazer.
Somos contra o Parque de Estacionamento no Rossio, mas não contra a legitimidade de a Câmara Municipal o fazer.
Assim, somos de parecer que, ao nível do projeto, no desenvolvimento do Estudo Prévio EP [1] seria bem-vindo,
. Que a solução de “tráfego partilhado peões-viaturas” assumisse um corredor viário de largura muito inferior à prevista; delimitado só pela especial localização de mobiliário e equipamento urbano dedicado; adotando-se isso, não apenas na Rua João Mendonça (mas desejavelmente), também no troço que vai da Praça Humberto Delgado até (pelo menos) ao extremo sul da Rua João Afonso;
. Que se restringisse o acesso a pesados e autocarros, que não fossem de serviços públicos urbanos, quer ao Rossio, quer ao Centro da cidade;
. Que as soluções de ambiente, de desenho e materiais fossem não abstratizantes, mas antes muito agarradas ao caráter e imagem do Bairro a que o Rossio em primeira instância pertence e, assim, de fácil apropriação pelos respetivos residentes e,
. Que a Área de Eventos fosse vinculada a quem vive e trabalha no Bairro, restringido o respetivo uso a programas previamente por eles auditados.
Consideramos que ao nível da governação e da estratégia de projeto – seja deste e dos PEDUCA, seja da zona Lota e Estrada Dique ou seja d’Outros (*5) – é indispensável que existam e sejam divulgados, (i) quer os seus objetivos, fontes e modos de financiamento, (ii) quer o seu desenho e o modo de ser, (iii) quer, por fim, como se articulam e se encaixam numa visão prospetiva, integrada e sustentável da Cidade – seu património, valores, modos de vida e futuros de tudo isso.
Reivindicamos, finalmente, a aplicação – quer nesta operação, quer noutras –, da Perequação Compensatória prevista na Lei para a repartição equitativa entre públicos e privados, quer dos benefícios, quer dos encargos gerados pelas intervenções urbanísticas, tal como, aliás, se previa no abandonado Projeto da UA para a Avenida e como é praticada noutros Municípios (*6).
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O mais de que não devemos desistir
É indispensável que todos aceitemos que a cidade é uma construção coletiva. Que a democracia representativa é um bem, que tem regras – obrigações e direitos –, que dispensa autismos e vive do confronto fundamentado de alternativas e, depois, do saber cooperativo de todos.
Numa desejável “cidade de bairros” o da Beira Mar é, já hoje, aquele que dispõe da comunidade e do espaço mais coesos e singulares, sendo o Rossio uma das sua referências urbanísticas e de convivialidade, que também é e desde sempre, foi da Cidade, e pontualmente doutros. É de uma boa gestão desta “especificidade” que todos precisamos e nisso o Projeto só pode ajudar.
É urgente reconciliar os Cagaréus com um seu novo Rossio para que estes, e os demais Cidadãos, tenham gosto em partilhá-lo com os demais.
Obviamente que para qualificar o debate necessário, melhorar o projeto e fazer obra estimada por todos, é indispensável ter os cidadãos informados e gostosamente envolvidos na construção de opções de futuro e de governo da cidade, coisa que precisa da iniciativa de quem faz, mas também do acolhimento de quem recebe: é um processo.
Nesse processo – em termos urbanísticos –, há que incluir não só o Rossio e o Rossio no PEDUCA, mas também o Eixo Lota – Rotunda do Rato; incluir ainda, a Reurbanização da Lota e Estrada Dique, bem como a Urbanização Envolvente da Estação CF e a Reabilitação da EN 109.
Quanto à comunidade e bairro a que o Rossio pertence, há que reavaliar o que foram, no que se transformaram e para o que caminham, reconhecendo que não são só de hoje as maldades feitas e consentidas, mas assumindo que é hoje que temos de lhes pôr cobro e começar a revertê-las.
Transformar o Bairro e o Centro da Cidade num “parque temático” não interessa a ninguém, nem aos Cagaréus e Ceboleiros, nem aos que por lá comerciam, nem mesmo aos da diversão noturna e turistas. A convivialidade, a atratividade, o intimismo cúmplice e festivo, e a singularidade, que em conjunto alimentam tudo isso, não resistem à massificação.
E a Cidade – reconheçamos todos –, do que mais precisa é de reter os muitos que felizmente atrai: turistas, estudantes, mão-de-obra e quadros. Acomodando os primeiros e integrando os demais como residentes nos bairros e comunidades: disponibilizando a habitação, a saúde, a educação, a cultura, o lazer e os sistemas de comunicação indispensáveis numa Cidade-Região em rede, cada vez mais querida, moderna e sustentável.
Será com isso, e por aí, que a Universidade, as Empresas e os Cidadãos dessa(s) Cidade(s) resolverão os seus atuais estrangulamentos e se consolidarão melhorando o nosso futuro coletivo.
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O estratégico u decisivo
Nós atrasámo-nos; o mundo e o país aceleraram, e agora é o que se vê: – Faltam-nos muitas coisas; seja o tempo necessário para as boas escolhas, seja a “modéstia” de optar pelo que não se vê, seja a capacitação necessária à maior complexidade do governo da coisa pública.
E tudo isto se vai agravar.
– A quem nos juntamos: à Área Metropolitana (do Porto) onde alguns nos colocam, ou ao Triângulo Urbano (Aveiro, Coimbra, Viseu) que outros nos sugerem?
– Que relação estabelecer com Salamanca e com o Mar: Como e quando, porquê e para quê?
O Porto de Aveiro, a Ria e a Floresta, mas também as Tecnológicas e a Indústria; a Universidade e os Serviços; o Comércio e o Turismo, todos agora têm um crescimento que, nalguns casos, é enorme – e ainda bem.
– Será que estamos a acautelar os impactos de tudo isso, ou preferimos agora fazer outra coisa e conformando-nos, depois, com a minimização dos estragos e as perdas do bem possível?
Para estudar e decidir sobre (ao menos) parte dessas matérias dispomos de muito, nomeadamente, o PNPOT, o Noroeste Global, os PNi e o Portugal 2030 (*7), mas também outros estudos e os PDMs, bem como quem, conhecedor ou especialmente interessado, possamos envolver nisso.
Decidir, desde logo, sobre as parcerias e as conexões desejáveis e sua otimização: Ílhavo e a Rede de Centros Urbanos próxima e diversificada em que queremos crescer, valorizando as respetivas comunidades (*8).
Decidir ter e discutir um Estudo para a zona da Lota e ligação à Cidade Lacustre. Decidir reapreciar, quer a localização do novo Hospital do Baixo Vouga à ilharga do D. Pedro V, quer o que fazer deste, e recuperar os trezentos fogos previstos para essa zona. Esclarecer – com Estudos, Projetos e Extratos do PDM – o que parecem ser, quer a insensato processo de urbanização da EN 109, quer a imponderada instalação de uma enormidade de equipamentos na Cidade consolidada (*9). Esclarecer, do mesmo modo, como se farão as desejáveis articulações (não apenas físicas) com a Cidade a nascente (*10); como se constituirão os seus indispensáveis subcentros, suas ligações norte – sul e respetivo modelo urbano. Decidir, com urgência, como – para já com sinalética adequada – se vai melhorar a segurança de quem por aí caminha sem passeios, entregue à sorte que nem sempre há.
É também nisto que se joga o presente e futuro do Rossio e da Cidade; assim estejamos nós, Cidadãos, também a à altura das nossas responsabilidades.
(*1), Em 03jan19 | (*2), Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano da Cidade de Aveiro | (*3), Mas prevendo 4,5ml de PT | (*4), Extrato da Declaração da PLATAFORMAcidades apresentada e defendida na Assembleia Pública de JUL2018 | (*5), Sendo que se desconhece q.q Estudo ou Plano para a “zona da Lota”, para a Nova Ponte das Eclusas e para o Arruamento sul do Canal das Pirâmides | (*6), Peniche, Montijo e Oliveira do Hospital, p.e | (*7), Tudo Estudos, Planos e Documentos que estudámos ou estamos a estudar e dos quais podemos disponibilizar informação, resultados e Declarações Públicas produzidas | (*8), Desde logo a urgente Aveiro – Ílhavo, mas também as urgentes Aveiro – Oliveira de Azeméis e Aveiro – Águeda, p.e | (*9), A Cidade de Esgueira à Universidade e da EN 109 ao Canal de S. Roque | (*10), A Cidade a nascente da EN 109.
* Pompílio Souto, com Gil Moreira e Angela Fernandes (consensualizada junto dos presentes na Reunião Geral de 16jan19).