A guerra na Ucrânia, em particular depois do bloqueio dos portos do Mar Negro, provocou um aumento dos preços do trigo, milho e óleos vegetais, três componentes importantes do índice de preços das matérias-primas, calculado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) desde 1961.
Por Helena Freitas *
Este índice ultrapassou os seus máximos históricos; em sessenta anos, nunca o acesso a alimentos essenciais foi tão caro em termos reais. A inflação agrícola terá consequências para a segurança alimentar global – a FAO estima que cerca de 800 milhões de pessoas sofrem de fome no mundo e o impacto do atual aumento de custo dos bens alimentares será principalmente sentido na África Subsariana.
Para limitar este impacto global, é necessário assegurar o bom funcionamento dos mercados internacionais. A curto prazo, as reservas permitem encontrar alternativas, mas o mercado tem de ser capaz de travar a espiral ascendente dos preços, o que é defendido pela FAO e pela iniciativa FARM – European Food and Agriculture Resilience Mission.
Apesar destas posições, não se conhecem os meios disponíveis. A União Europeia deixou de ter reservas alimentares estratégicas e não existe um sistema concertado de gestão a nível mundial para regular os mercados, pelo que atuam sobretudo os grandes operadores privados. Na ausência de regulamentação, não têm motivos para travar a subida dos preços, o que reforça as suas margens e aumenta o risco de especulação.
A tragédia da guerra leva-nos mais uma vez a questionar os modelos agrícolas em que se baseia o sistema alimentar global. Com efeito, os sistemas alimentares e agrícolas de hoje são capazes de fornecer grandes quantidades de alimentos aos mercados globais, no entanto, baseiam-se em sistemas de delapidação intensiva de recursos, causando uma vastíssima desflorestação, intensa degradação dos recursos hídricos, perda de biodiversidade, esgotamento dos solos e emissões significativas de gases com efeito de estufa. Apesar dos progressos recentes na produção, a fome e a pobreza extrema continuam a representar graves problemas globais, e mesmo onde a pobreza diminui, a desigualdade persiste e impede a sua eliminação.
A alternativa reside na agroecologia; uma abordagem integrada que aplica simultaneamente conceitos e princípios ecológicos e sociais à conceção e gestão dos sistemas alimentares e agrícolas, valorizando as interações entre plantas, animais, seres humanos e ambiente, sem descuidar os aspetos sociais que devem ser tidos em conta para termos um sistema alimentar justo e sustentável. A prática agroecológica integra a biodiversidade – o controlo biológico em vez de produtos fitossanitários, a manutenção do coberto vegetal, a fertilização orgânica dos solos.
A agroecologia é igualmente determinante para manter altos níveis de produção e resistência aos impactos crescentes das alterações climáticas. A revolução agroecológica que o sistema alimentar exige, envolve redirecionar as prioridades das políticas de desenvolvimento e dos investimentos em benefício das explorações familiares, que são as primeiras responsáveis pela segurança alimentar mundial.
A agroecologia não é uma novidade. Há literatura científica da década de 1920 que descreve a abordagem agroecológica, encontrando expressão nas práticas dos agricultores familiares, nos movimentos sociais locais para a sustentabilidade e nas políticas públicas em vários países do mundo.
Mais recentemente, entrou no vocabulário das organizações internacionais. As inovações agroecológicas baseiam-se na produção conjunta de conhecimento, combinando a ciência e o conhecimento tradicional dos produtores.
Ao reforçar a sua autonomia e adaptabilidade, a agroecologia capacita os produtores e as comunidades para que se tornem agentes da mudança. Em vez de ajustar as práticas de sistemas agrícolas insustentáveis, a agroecologia visa transformar os sistemas alimentares e agrícolas, abordando de forma integrada as causas dos problemas e oferecendo soluções globais sustentáveis, sem esquecer os aspetos sociais e económicos dos sistemas alimentares.
* Professora Catedrática da Universidade de Coimbra. na área da Biodiversidade e Ecologia. Detentora da Cátedra Unesco em Biodiversidade e Conservação para o Desenvolvimento Sustentável.
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