Na minha última crónica dei conta da tremenda preocupação que varre Portugal e toda a Europa ocidental – ou melhor todo o mundo ocidental – quanto à escassez de trabalhadores em vários setores, mas sobretudo no Turismo. E adiantei os “culpados”. Que, por serem vários, não permitem uma única solução. Não, lamento, mas não é apenas o “pay them more” que nos vai permitir responder a um problema que tem várias causas. Menos ainda a obsoleta (e quase pueril) proposta em transformar os contratos a prazo em contratos sem termo. Tomara que a solução fosse assim tão simples!
Por Cristina Siza Vieira *
Nem de propósito, o insuspeito The Economist dedicou-se ao tema na última edição e, além de descrever o caos vivido na Europa – começando nos aeroportos e acabando em hotéis, restaurantes e cafés -, fala de uma alteração profunda e estrutural (tanto quanto se pode antever, mas…).
Um dos pontos críticos respeita ao modo como as pessoas encaram hoje os modelos de trabalho. Seja quanto aos horários, seja quanto à independência no exercício das funções, seja quanto à “recompensa”, material e emocional. Por isso, diz, a nova economia prestadora de serviços à distância é a grande campeã na captação e retenção de talentos.
Onde é que isso nos deixa? Se o Turismo depende em absoluto de trabalhadores fisicamente presentes, será que corremos o risco de acabar com o Turismo? Ou é possível trazer para este setor novas abordagens? E, sendo tal possível, quais os drivers da mudança?
Para mim esta é uma resposta de duplo sentido.
Sim, é possível atrair e reter trabalhadores para o Turismo. E não, não é possível concorrer em toda a linha de produção, chamemos-lhe assim, com as plataformas. Sendo muito limitado o espaço para desenvolver tão rico e desafiante tema, resta-me, em razão das causas que já apontei, enunciar possíveis soluções para a nossa indústria em Portugal.
A meu ver, haverá que combinar 4 fatores principais. Primeiro, adaptação das empresas. Seguramente oferecendo outras e melhores condições remuneratórias e de gestão de horários aos trabalhadores, designadamente com recomposição dos turnos e horários de trabalho menos pesados – o que, note-se, presume contratação de mais trabalhadores e uma gestão de RH tremendamente exigente, mais taylor made, em razão das necessidades, idades, flexibilidade dos trabalhadores. Segundo, muito maior esforço do Estado, criando muito mais rápidas condições para a imigração e desagravando a carga fiscal que pesa sobre as empresas para a contratação. Terceiro, adaptação dos trabalhadores e das estruturas sindicais que os representam para a maior flexibilidade, quer para a polivalência, quer para diferentes modelos de organização. Quarto, e não menos importante, adaptação do serviço, desde logo porque há ainda muito espaço para a digitalização e para, com imaginação, “habituar” os nossos hóspedes e turistas a outro tipo de atendimento e serviço.
Exemplos deste tipo? Hotéis sem receção física, com check-in e check-out feitos por apps, totens, ou até robots; restaurantes com mais autosserviço; limpezas de quartos menos frequentes (não só pelos menores custos e menor disponibilidade de trabalhadores para tal, como pelos impactos ambientais). E, claro, onde o serviço humano é guardado para a personalização da experiência, para tarefas menos chatas, e por isso muito mais bem pago. Como diz um dos meus filhos viajantes, “hotéis Ryan Air”: tudo – vá, quase tudo – para lá da cama é pago on top.
Tudo junto irá resolver o problema? No imediato não. Mas prepara-se o futuro.
PS: o desemprego na Zona Euro está hoje em 6,6%, o mais baixo desde a criação do Euro há 20 anos.
* Vice-presidente executiva da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal. Artigo publicado em https://www.hoteis-portugal.pt/.
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