Diferentes comitivas nas bancadas a cantar e incentivar outras comitivas que, teoricamente, seriam rivais, jogadores e jogadoras a incentivar e apoiar outros jogadores e jogadoras rivais após uma derrota, um espírito inigualável de união e entreajuda dentro das equipas, que levava os seus jogadores e jogadoras a dar tudo dentro de campo, por si mesmos, mas, principalmente, pelos seus colegas de equipa
Por Margarida Bartolomeu *
Modalidade talvez pouco conhecida para muitos dos adeptos de futebol em Portugal, o ‘Futebol de Rua’ distingue-se das restantes vertentes futebolísticas (futebol de 11, futebol de 9, futsal, etc.), não só pelas regras muito particulares (existência de tabelas – a bola não sai a não ser que passe por cima das mesmas; forma de defender – apenas 2 jogadores (as) podem defender atrás do meio campo; área que apenas pode ser pisada, e frequentada, pelo (a) guarda redes; a possibilidade de haver equipas mistas; entre muitas outras), mas pela vertente de atuação social que apresenta e que alia o desporto ao desenvolvimento de competências pessoais e sociais, à colocação em prática de valores adquiridos e desenvolvidos através de um sentimento de pertença grupal, entreajuda, fair play, tolerância e inclusão, promovidos através da prática desportiva inclusiva e da participação em workshops.
Desenvolvido pela Associação CAIS, desde 2004, o ‘Projeto Futebol de Rua’ promove a prática desportiva saudável, a inclusão e intervenção social, a igualdade e equidade de género, tendo como um dos principais objetivos dotar os seus participantes e colaboradores de competências e valores pessoais e sociais essenciais para uma vida ativa e saudável, não só do ponto de vista físico, como também do ponto de vista social. É um projeto contínuo, muito embora marcado por 2 momentos – os Torneios Distritais e a Grande Final Nacional.
Após um ano de interregno, devido à pandemia causada pela Covid-19, o ‘Projeto Futebol de Rua’ regressou ‘à estrada’ e voltou a promover a prática desportiva por todo o país, dando início aos Torneios Distritais, a partir dos quais cada distrito seleciona os jogadores e/ou jogadoras que o representarão na Grande Final Nacional.
Neste ainda atípico ano de 2021, tive o prazer de participar pela primeira vez num torneio distrital de Futebol de Rua, e o ainda maior prazer de poder fazer parte da equipa feminina que representou o distrito de Beja na Grande Final Nacional, realizada na Vila da Batalha, durante os dias 8, 9, 10, 11 e 12 de setembro. Confesso que não sabia bem o que esperar, principalmente durante o torneio distrital. Mas a vivência, o espírito desse torneio distrital deixou-me a querer mais, a querer fazer parte deste projeto e, quando surgiu a oportunidade de participar na Grande Final Nacional, não pensei duas vezes, e aceitei (graças a Deus que ainda dispunha de dias de férias)!
Foram 5 dias de aprendizagem, 5 dias em que conheci novas pessoas, novas realidades, novas vivências, pois um torneio que junta pessoas de diferentes contextos sociais tem muito a ensinar! Inclusão, tolerância, fair play, tomada de decisão, foram alguns dos temas abordados, formal e informalmente, durante estes 5 dias, que também contribuíram para o nosso enriquecimento cultural, através de uma visita ao lindíssimo Mosteiro da Batalha, o expoente máximo da arquitetura gótica em Portugal.
A competição iniciou-se ao terceiro dia, numa fase em que diversas comitivas já tinham criado laços entre si, e o espírito de fairplay esteve sempre presente, havendo lugar à atribuição de 2 cartões brancos que, para quem não sabe, premeiam atitudes diferenciadas de fairplay. Portanto, a competição esteve sempre presente (sejamos sinceros, faz parte do ser humano), mas de uma forma saudável, tendo sempre por base o cumprimento dos valores promovidos pelo torneio.
Diferentes comitivas nas bancadas a cantar e incentivar outras comitivas que, teoricamente, seriam rivais, jogadores e jogadoras a incentivar e apoiar outros jogadores e jogadoras rivais após uma derrota, um espírito inigualável de união e entreajuda dentro das equipas, que levava os seus jogadores e jogadoras a dar tudo dentro de campo, por si mesmos, mas, principalmente, pelos seus colegas de equipa. Lágrimas de alegria, lágrimas de tristeza, discursos inspiradores e, mais importante ainda, atitudes inspiradoras, que nos fazem ter esperança nas gerações mais jovens e que crescem dentro deste projeto.
Muito embora na vertente masculina (por enquanto), os jogadores apenas possam participar por 3 vezes no torneio, muitos deles mantêm-se ligados ao projeto como treinadores, como árbitros, como staff técnico de apoio, sendo capazes de dar aos novos participantes um pouco daquilo que receberam enquanto eles próprios eram “apenas” jogadores. Receber e dar, dar e receber. É assim que se vive este projeto, e é desta forma que se ajudam a crescer jovens provenientes de contextos sociais complexos e que aqui encontram uma estrutura segura para crescer e desenvolverem competências sociais saudáveis.
No final, em termos futebolísticos, houve 2 equipas vencedoras – a equipa feminina de Beja (Bicampeã Nacional), e a equipa masculina da Madeira (Tricampeã Nacional). Mas, sejamos honestos, os vencedores fomos todos nós, todos os participantes, todo o staff, todos os colaboradores, que saíram certamente mais ricos desta experiência, e a ansiar por mais!
O Futebol de Rua é uma experiência de vida que, quem consegue viver na sua plenitude quer, certamente, manter para a vida!
* Atleta do distrito de Beja. Artigo originalmente publicado em Fairplay.pt | https://www.facebook.com/projectofutebolderua
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