A pandemia é uma ameaça para a saúde pública, naturalmente, e coloca grandes desafios à sociedade, à ciência e à investigação.
Por João Varandas Fernandes *
É, igualmente, uma enorme ameaça para o equilíbrio do Serviço Nacional de Saúde (SNS), colocando inúmeros e pesados desafios à comunidade médica, às instituições de saúde e à tutela, que procuram dar resposta à emergência sanitária, debatendo-se com um já debilitado sistema a funcionar para lá do limite dos seus recursos físicos e humanos.
Somos diariamente confrontados com serviços sobrelotados e profissionais exaustos que, ainda assim, continuam a dar o seu melhor. É certo que nenhum sistema de saúde estava preparado para enfrentar uma situação como aquela que vivemos, mas é com preocupação que vemos adiadas as respostas a outras doenças que continuam a matar em Portugal. E muito.
Na esfera pública, assiste-se a um verdadeiro campeonato de popularidade, quando estamos, afinal, num campeonato de sobrevivência. Não se reconhece a importância da informação científica e estatística, logo, navegamos à vista, rumo à incerteza. No terreno, e face a todos os desafios, começa a ser por demais evidente onde estamos inequivocamente a falhar: na estratégia e no planeamento.
Vejo, no entanto, este tempo conturbado como uma oportunidade. É, desde logo, uma oportunidade para quem, com convicção e firmeza, apontar o caminho a seguir. É urgente um pensamento estratégico, a curto e médio prazo, para que, de forma coordenada, se dê resposta a todas as pessoas que apresentam outras doenças que não COVID-19.
Esta é uma oportunidade para se reformar o SNS. Abandonemos os preconceitos ideológicos e assumamos um Sistema Único de Saúde. Público, privado, social e, até mesmo, militar podem e devem integrar um só sistema. A transversalidade e a cooperação inter-hospitalar são essenciais para assegurar cuidados de saúde que se querem de excelência e centrados no indivíduo.
Esta é também a hora de mobilizar todos os setores da sociedade, em particular a comunidade educativa. As Universidades e Politécnicos dão um relevante contributo na partilha de conhecimento, na especialização de profissionais, e no campo da investigação e reflexão crítica.
O futuro passa pela vigilância, controlo e prevenção. Veja-se, a título de exemplo, o trabalho da Cooperativa de Ensino Universitário (CEU), que detém a Universidade Autónoma de Lisboa. A forte aposta, neste momento, são as ciências da saúde, nomeadamente através da oferta de formação e especialização de enfermeiros na recém-integrada Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias. A especialização dos profissionais contribui para a implementação de políticas de qualidade em saúde e para uma gestão sustentada na evidência.
Estamos, em simultâneo, a estudar a importância da liderança no terreno, da micro organização, se tem (ou não) resultados positivos em situações de crise, comparada com a organização centralizada e piramidal. A pandemia veio mostrar isso mesmo: a forma como os serviços se conseguiram reorganizar para dar resposta. E chamou-nos à atenção para outro aspeto muito relevante: o papel da solidariedade e da cooperação.
Um contributo que certamente dará orientações para o futuro. Um futuro que será melhor, se soubermos fazer da ameaça oportunidade.
* Médico e Professor Universitário CEU/UAL. Artigo publicado originalmente no site Healtnews.