Excessos de Final de Festa

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Futuro pavilhão municipal de Aveiro (Imagem CMA).

Há finais de festa em que tudo parece descontrolar-se: há quem exagere na bebida, quem devore mais do que o estômago aguenta, quem diga o que não devia ou faça o que não convém. Ora, em contexto autárquico, no ocaso de um mandato, também se correm riscos de cair nestes “excessos de final de festa”, quando a urgência política leva a decisões apressadas e, tantas vezes, pouco ponderadas.

Por Francisco Albuquerque *

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Em vez de se manter um rumo coerente, baseado num plano sólido e realista, atropelam-se prioridades e comprometem-se recursos em projetos que, a médio ou longo prazo, podem traduzir-se em mais dívida, maiores custos e pouca ou nenhuma utilidade para os cidadãos.

A recente insistência da Câmara Municipal de Aveiro em construir o Pavilhão Oficina é um exemplo claro deste fenómeno. Só nos últimos meses, o valor dos concursos lançados passou de 17,5 para 18,5 milhões de euros e, agora, prepara-se para ultrapassar os 20,5 milhões – sendo provável que ainda suba. É difícil não ver nisto um certo “desespero de final de festa”: a pressa em lançar a obra, mesmo perante um cenário de sucessivos concursos desertos (em boa parte devido ao pico de construção em todo o país financiada pelo PRR), está a encarecer tudo, e quem acabará por pagar esse “custo adicional” de mais 3 milhões de euros (no mínimo) serão, inevitavelmente, os munícipes.

Aliás, o uso desses 3 milhões de euros a mais como incentivo à captação de nova indústria para o município traria, provavelmente, resultados mais duradouros e benéficos para Aveiro. Investir numa boa estratégia de captação de indústria, em vez de sobrecarregar o orçamento num projeto que nem sequer é uma prioridade consensual, seria certamente uma opção mais racional a médio e longo prazo.

Ainda por cima, o Plano Pormenor do Parque Desportivo, que deveria nortear a ocupação e o desenvolvimento de toda aquela zona, continua parado há mais de um ano. É estranho que se avance a todo o custo para a construção do Pavilhão Oficina, da requalificação do Estádio e até do anúncio de uma futura piscina municipal, quando nem sequer há avanços na definição urbanística global para a área. Uma câmara responsável planearia primeiro os acessos, as ciclovias, o transporte público, atrairia privados para investimentos na zona e só depois construiria estes equipamentos de grande envergadura. Afinal, quem chegará ao Parque Desportivo, se não há infraestruturas adequadas para lá chegar, a não ser unicamente de carro?

Enquanto isso, as carências urbanas de Aveiro acumulam-se: os acessos aos passadiços de Esgueira encontram-se uma lástima, as ruas de Santa Joana persistem numa condição precária, os acessos à Universidade por Verdemilho são um autêntico quebra-cabeças, a Linha do Vouga continua ao abandono, não há qualquer pressão na IP e na E-REDES para maior investimento na cidade, a Avenida Europa entre a Rotunda do Rato e o Bom Gosto mantém-se perigosa e degradada. Faltam ciclovias, faltam parques, e a oferta de habitação é cada vez mais escassa e cara. Não seria mais lógico focar recursos e energia naquilo que efetivamente melhora a qualidade de vida e a mobilidade dos cidadãos?

Não deixa de ser paradoxal que o mesmo executivo, que se orgulha de ter reequilibrado as contas municipais à custa de uma forte política de cobrança de impostos, agora opte por apressar investimentos que podem vir a derrapar significativamente. Aveiro tem exemplos de despesismo difíceis de esquecer: bolas de ferro e muralhas pagas a peso de ouro, estacionamentos subterrâneos que pouca gente utiliza e que custaram o triplo do previsto… Caso o Pavilhão Oficina siga o mesmo rumo, arriscamo-nos a que os 20 milhões previstos se transformem em 60 milhões, arrastando o concelho para décadas de endividamento, tal qual outros fizeram no passado e vão preparando as suas candidaturas para as eleições de Outubro.

A Universidade de Aveiro acabou de inaugurar um Pavilhão Multiusos e os pavilhões do Mariana Lopes e São Bernardo tiveram obras de realce. Obviamente que a construção de um novo pavilhão pode ser adiada mais alguns anos. Pode parecer tentador fazer obras vistosas e cortar fitas antes do fim de um mandato, mas a ressaca é inevitável quando as escolhas são tomadas ao sabor da urgência ou da pressão eleitoral, em vez de uma visão estruturada e responsável.

Há finais de festa que acabam em ressaca; há mandatos que podem terminar em dívidas e arrependimentos. Aveiro não merece mais uma jogada precipitada que sacrifique o seu futuro. Talvez seja tempo de parar, olhar para o território, pensar nos acessos, ponderar onde melhor investir cada euro e, sobretudo, não ceder a estes “excessos de final de festa” que podem deixar marcas difíceis de apagar.

* Gestor Industrial.

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