Temo que a sociedade como a conhecemos poderá transformar-se de tal forma que tenhamos de reformular e enfrentar novos desafios que chegarão depois, para os quais nos deveremos preparar.
Por Sara Tavares *
Estado de sítio não é só um mecanismo político, é também uma expressão usada de forma recorrente, quando não temos controlo em determinada situação. Pois bem. É o caso.
O covid-19 veio provocar o estado de sítio em nossas casas e nas nossas cabeças. Nas cabeças de todos: mais velhos, mais novos, mais esclarecidos, menos esclarecidos.
O pânico é inimigo da racionalidade e faz muitas vezes com que nós, que somos humanamente seres que erram, o façamos mais amiúde. Pessimistas e otimistas, mensageiros das pequenas conquistas ou da desgraça, sempre prontos a atirar farpas para todo o lado.
Até mesmo direcionadas para aqueles, que, independentemente da cor política, deveriam estar, estou em crer, a fazer tudo o que estará ao alcance para minorar a situação, nunca vista, em que nos encontramos. Se não estão deveriam estar. Li uma publicação de um vereador de uma Câmara vizinha que dizia: “Trabalhamos para não ser notícia”.
Gostei de ler, uma pessoa que está mais preocupada com o minorar e a resolução dos problemas do que com campanha política. Nem todos assim são, alguns têm vindo a fazer constante aproveitamento político da situação, o que lamento.
Confesso que não gosto de ver escritas críticas, numa altura destas, sobre procedimentos, comunicados e afins.
Partilhas sem fim de artigos que nada acrescentam ao conhecimento sobre o covid 19, somam unicamente preocupações a almas que já pela gravidade da situação se encontram naturalmente aflitas.
O mais estranho é haver agora tanto tempo para ler os artigos na sua totalidade e a avaliar pelos comentários, só o título foi lido.
É claro que, todos nós, temos formas diferentes de reagir à novidade da clausura, uns mais cuidadosamente, outros menos.
Cabe-nos a todos sensibilizar as pessoas para o perigo do contágio e para a necessidade de nos mantermos em isolamento social o máximo que pudermos, no sentido de o moderar.
Se é agradável? Não é. Fazem-nos falta as rotinas, os amigos, os convívios, o ambiente de trabalho. Estamos nervosos com a situação e nem sempre a reação pretende demonstrar aquilo que sentimos, natural. Talvez seja tempo de introspeção por um lado e ajuda mútua por outro.
Vamos sentir na pele, nos próximos tempos a definição de solidariedade. Depois deste vírus não seremos os mesmos, até porque a nossa realidade mudará face a tudo isto. A questão dos casos de violência doméstica, que a necessidade de nos mantermos em casa tendencialmente agudizará, bem como os abusos a outros níveis.
A fragilidade de exposição dos sem abrigo, e tantos outros problemas sociais que acabaram por aumentar.
Temo efetivamente que a sociedade como a conhecemos poderá transformar-se de tal forma que tenhamos de reformular e enfrentar novos desafios que chegarão depois, para os quais nos deveremos preparar.
Estamos a viver um momento que fará parte das páginas da história. Uns ficarão lembrados pelos melhores motivos, outros nem por isso.
A memória é curta, não obstante todos nos recordaremos desta altura da vida, bem como das ilações, que daqui tiraremos, não esquecendo o estabelecer de prioridades. Se calhar o melhor é registá-las para que não nos esqueçamos daquilo que realmente importa.
* Professora, eleita do PS na Assembleia Municipal de Aveiro. ([email protected]).