Estacionamento no Rossio “é vazio de uma política e estratégia de mobilidade sustentável”

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Imagem MUBi.

O assunto que cá nos traz hoje é o projecto da autarquia para o Rossio e, em particular, a intenção de construir um parque de estacionamento automóvel no coração da cidade.

Rui Igreja *

A MUBi tem 10 anos de existência, cerca de mil associados por todo o país e criou no ano passado a Secção Local de Aveiro, com o propósito de ser mais operativa e eficaz junto dos vários actores locais na promoção da utilização da bicicleta e de uma mobilidade mais sustentável.

O assunto que cá nos traz hoje é o projecto da autarquia para o Rossio e, em particular, a intenção de construir um parque de estacionamento automóvel no coração da cidade.

A primeira questão que temos para o Presidente da Câmara é: se e quando será tornada pública uma análise dos contributos submetidos por cidadão e organizações no processo de auscultação pública sobre o estudo prévio do projecto de requalificação do Rossio?

A MUBi analisou os documentos que compõem este estudo prévio, e neles pode ver-se que a modelação da procura de estacionamento estima que dos 263 lugares propostos para o parque, na hora de maior procura, cerca de 100 serão ocupados por automóveis que actualmente estacionam legalmente na zona da Beira Mar para além do Rossio e mais de 20 por carros que estacionam noutras áreas da cidade.

O que a autarquia, por incompetência ou deliberadamente, não quis concluir, foi que esses lugares vagos têm o efeito directo de atrair mais carros para o centro da cidade. Em resultado do sobejamente conhecido fenómeno da procura induzida, perto de metade da capacidade proposta para o parque de estacionamento tem, assim, o efeito nefasto de atrair mais carros para o coração da cidade – de cujos diversos custos e prejuízos, todos ou quase todos os aqui presentes, e a da população em geral, serão actualmente conscientes.

Os inquéritos realizados pelos estudos mostram que as deslocações de 73% dos condutores que actualmente estacionam no Rossio são por motivos de lazer. Mais uma vez, por incompetência ou deliberadamente, a autarquia não extrai absolutamente nenhuma conclusão disto. Quando esta tipologia de deslocação está associada a uma considerável predisposição para caminhar mais de 400 ou 500 metros até ao destino, e assim os parques de estacionamento existentes na proximidade, Fórum, Praça Marquês de Pombal e Mercado Manuel Firmino, são opções presentemente viáveis, e a custo praticamente zero, para retirar espaço de estacionamento e reduzir o tráfego motorizado no Rossio.

O que a MUBi, com algumas dezenas de horas de trabalho constatou e concluiu, a autarquia, apesar de pagar estes estudos com dinheiros públicos, não o faz. A única conclusão que retira é a de que a exploração comercial de um parque de estacionamento com 263 lugares seria economicamente viável.

Todo o projecto é baseado num modelo obsoleto da dependência do automóvel, e padece de um conjunto alargado de graves omissões.

Solicitamos ao presidente da Câmara que explique aos Aveirenses o porquê de cada uma destas omissões, que elencamos a seguir:

Numa intervenção que terá um impacto de várias décadas, o projecto renega completamente outros modos de deslocação e novas soluções de mobilidade, como a mobilidade partilhada, a mobilidade como um serviço e os novos serviços de logística urbana, como se o automóvel individual fosse o único meio de aceder ao Rossio e Beira Mar e o propósito o de levar lá carros ao invés de pessoas.

Omite instrumentos como os planos intermunicipal e municipal de mobilidade e inclusivamente o plano de mobilidade sustentável do próprio PEDUCA.

Ignora e contraria as indicações do Governo de transferência do veículo motorizado individual para modos mais sustentáveis, de redução da presença de automóveis nos centros das cidades, e de Portugal dentro da próxima década alcançar a repartição modal da bicicleta média europeia de 7-8%.

É vazio de uma política e estratégia de mobilidade sustentável. Não tem qualquer enquadramento com o planeamento e ordenamento da cidade.

O projecto falha rotundamente ao não contemplar e avaliar outras opções mais concordantes com as boas práticas actuais de mobilidade e urbanismo, tais como parques periféricos e dissuasores, ou, sequer, a optimização e rentabilização dos vários parques de estacionamento automóvel subutilizados já existentes no centro da cidade.

Contraria, ainda, compromissos assumidos pelos órgãos autárquicos, designadamente através do Pacto de Autarcas para o Clima e Energia e da Área de Reabilitação Urbana de Aveiro, que foram aprovados por esta Assembleia Municipal, de redução da dependência do automóvel individual e de uma repartição mais equilibrada entre os vários modos de transporte.

A este respeito, solicitamos aos Grupos e Deputados Municipais que se pronunciem acerca da credibilidade que tem esta Assembleia Municipal quando se manifesta favoravelmente a um projecto que contraria as orientações que a Assembleia aprovou e com as quais se comprometeu.

À revelia das reconhecidas boas práticas de urbanismo e de mobilidade e das indicações e recomendações comunitárias e nacionais, com a omissão de elementos fundamentais e na ausência de uma justificação técnica da necessidade de um parque de estacionamento automóvel no Rossio, o projecto da Câmara não passa de um anacrónico, inútil e nefasto capricho.

A MUBi Aveiro recomenda a realização de um verdadeiro estudo de mobilidade da área, enquadrado numa estratégia de mobilidade sustentável mais global e no planeamento e ordenamento da cidade, contemplando todos os modos de transporte e visando, em linha com o que o mundo desenvolvido faz hoje em dia, uma repartição modal mais equilibrada privilegiando os modos mais sustentáveis.

* Membro da seção de Aveiro da MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta. Intervenção na reunião ordinária de Abril de 2019 da Assembleia Municipal de Aveiro.

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