Em Educação, investigam sobre o quê? Como ensinar melhor a tabuada?

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Universidade de Aveiro.

A relação complexa entre Ciência e Sociedade não é um assunto novo e, por isso mesmo, é, para mim, motivo de preocupação que não venha sofrendo melhorias significativas.

Por Ricardo Torres *

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“- Nestes últimos anos, tenho trabalhado numa empresa. E tu? – Sou investigadora em Educação. – Investigadora em Educação? Mas, em Educação, investigam sobre o quê? Como ensinar melhor a tabuada?”

O testemunho acima, relatado por uma colega do CIDTFF, Centro de Investigação em que me integro, por me ter inquietado, levou-me a questionar algumas pessoas próximas quanto às suas perceções acerca da investigação, no geral, e da investigação em Educação, em particular. As respostas alinham-se com um certo desconhecimento subjacente à última fala da interação descrita. Para uns, a investigação soa a Monte Olimpo, um contexto onde trabalham pessoas de infinita sabedoria, às quais só através de preces é possível ter acesso. Para outros, a investigação toma contornos de Terra da Barbie, um mundo à parte, de onde surgem recomendações demasiado “cor-de-rosa” para a vida normal. Tanto para “uns”, como para “outros”, quando a questão incidiu especificamente na investigação em Educação, levantou-se o nevoeiro de D. Sebastião e a visibilidade caiu a pique…

A relação complexa entre Ciência e Sociedade não é um assunto novo e, por isso mesmo, é, para mim, motivo de preocupação que não venha sofrendo melhorias significativas. É especialmente preocupante o nevoeiro em torno da investigação em Educação, já que D. Sebastião nunca chegou.

Este sentimento foi um dos motivos que me levou a investigar sobre os efeitos, mudanças e/ou benefícios que alguma da investigação em Educação produz na Sociedade. Alguns dos resultados desse estudo demonstram que continua a existir um distanciamento significativo entre a Academia e o público em geral e que um dos principais fatores para tal se prende com certos comportamentos dos investigadores.

Tendemos a divulgar os nossos projetos e aquilo que concluímos deles, sobretudo, em eventos e/ou publicações de caráter científico: eventos direcionados a outros cientistas, que, habitualmente, têm um custo de participação elevado e que acontecem em datas que chocam com as agendas dos reais interessados nos resultados da investigação; e publicações que não são acessíveis, para o público em geral, pela forma como são escritas, pela linguagem científica que as caracteriza e por um custo de leitura, também ele, elevado. Em conclusão, esta é uma metodologia de divulgação de resultados que encerra a investigação sobre si própria, num círculo vicioso, e que lhe confere um caráter até algo elitista.

Assim, não é motivo de admiração que existam pessoas a questionar-se se a investigação em Educação serve “apenas” para perceber como ensinar melhor a tabuada, uma vez que a comunicação não está a ser feita de forma a passar a mensagem de que a sua principal função é ajudar os professores a atuarem cada vez melhor na complexidade crescente do mundo em que vivemos. E, como é prova o recente “Plano +Aulas + Sucesso” do Governo, esta comunicação também não está a ser feita de forma a passar a mensagem de que a docência é uma profissão de base científica, que tem de ser aprendida e que não pode ser entregue a qualquer pessoa, mesmo que esta seja provida de formação superior.

Para concluir, incumbe-me esclarecer que, em Educação, investiga-se muito mais do que formas de ensinar a tabuada. No CIDTFF, da UA, investiga-se, por exemplo, sobre como (ensinar a) lidar com a desinformação, a partir de notícias falsas, ou como (ensinar a) utilizar tecnologias digitais de forma crítica e através de uma perspetiva intercultural. Mas, enquanto observador atento desta rubrica, isso o leitor saberá.

* Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro. Artigo publicado originalmente no site UA.pt.

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