Se a educação para a Paz nos levou para a Guerra, será que a educação para a Guerra nos pode levar para a Paz? – menos Quinto Império, por mais realidade.
Por Francisco Parrança da Silva *
Infelizmente, desde o dia 20 de fevereiro do presente ano, a Guerra voltou a assolar o continente Europeu. Infelizmente, também, há mais de 100 anos que, pelo menos, 10 nações independentes das mais de 50 que compõem o continente Africano são assoladas pela Guerra. Mas, se assim o é e sabemos, porque será que algumas guerras são mais importantes do que outras?
No ano de 1945, em Londres, na Ata de Constituição da UNESCO, escrevia-se assim: “Que uma vez que as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que devem ser construídas as defesas da paz.”. Talvez se pudesse ter colocado uma vírgula no lugar do ponto final e acrescentado: pois é, também, nas mentes dos homens que o valor da vida é calculado. O problema, é que nos é difícil, enquanto sociedade, admitirmos que não atribuímos o mesmo valor a toda e qualquer vida (humana). Mas, sobre isso, como diria a minha avó: longe da vista, longe do coração – e para a vista, a TV também conta. Por isso, porque nos havemos de importar com o que não nos afeta a visão?
Bem, é fácil compreendermos que as Guerras são causadas pela ação humana: “Uma metrelhadora ligeira não lhe passa pela cabeça sentir-se ofendida por não poder competir com um canhão de tiro rápido.” – ao contrário dos respetivos portadores. Já escrevia José Saramago, na primeira obra publicada após a sua morte, intitulada Alabardas. E estamos todos de acordo, também, sobre o facto de que a Educação, em particular, a dita formal, é fundamental para o desenvolvimento das mentes dos nossos cidadãos.
Pois então, ao nível educativo, o que tem sido feito para a educação de cidadãos com ‘boa vista’? Uma das soluções apresentadas nas últimas décadas tem sido aquela que no campo da investigação em Educação rotulamos de Educação para a Paz. Na realidade, aquilo que hoje chamamos de Educação para a Paz, um fenómeno complexo, não é mais do que uma apodicidade, diria. Uma necessidade lógica e evidente. Com efeito, é impossível pensarmos a passagem da caça-recoleção para o sedentarismo, sem algum tipo de desenvolvimento de sentido de comunidade, de valores como o respeito mútuo ou a empatia, ou de ensino e transmissão de modos de participação individual para o bem-estar coletivo. Ou, por exemplo, já todos ouvimos falar dos deuses das Guerra (Ares e Marte) e das Deusas da Paz (Irene e Pax) gregas e romanas. Ou seja, tanto a Paz, como a Guerra, sempre fizeram parte do imaginário humano e, por isso, da nossa Educação (para a Paz).
Em termos mais concretos, a Educação para a Paz é entendida como uma proposta de orientação educativa que visa a educação de cidadãos competentes na resolução de conflitos (interpessoais, locais, regionais e internacionais), na prevenção da violência, e para o diálogo e a cooperação. Contudo, infelizmente, ao mesmo tempo, essa forma de educar é concretizada a partir de programas e currículos escolares, de manuais e recursos educativos, que apresentam a Guerra como a visão através da qual se explicam fenómenos como o da construção de uma identidade e cultura nacional, ou para a vanglorização e prodigização de feitos e/ou importantes defuntos.
Claramente, face os acontecimentos recentes, para não falar dos eternos e invisíveis, esta estratégia não tem resultado. Porventura, estará na altura de tentarmos algo diferente. De nos preocuparmos em educar cidadãos que conhecem a Guerra pelo que ela é, pois só assim saberão valorizar a Paz.
E que tal reservarmos uma das mil lições sobre os feitos e prodígios dos nossos Afonsos, Sebastiões e Camões, para falarmos (explicitamente) do sofrimento e horror causado pelos nossos Afonsos, Sebastiões e Camões? Já era um começo.
* Membro do Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro. Artigo publicado originalmente no site UA.pt.
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