Quando caminhamos pelas ruas de Aveiro, lemos, interagimos, descobrimos, exibimos, jogamos, aprendemos, administramos, agimos, desafiamos, comunicamos.
Por Mariana Clemente *
Quando caminhamos por Aveiro, vemos como os cidadãos constroem simbolicamente o espaço público. Vemos como interagem. Também vemos como as escolhas linguísticas influenciam a interação social e contribuem para a arquitetura de uma cidade. Surgem, assim, paisagens dentro de uma paisagem maior, colorida pelas vozes escritas dos habitantes e pelas práticas linguísticas do governo local.
Foram tiradas várias imagens de rua e fotografias documentais para realizar o estudo sociolinguístico da paisagem linguística de Aveiro. As 566 fotografias consideradas na investigação pertencem a 46 ruas diferentes. Foram encontrados 22 idiomas. No top 5 de línguas estrangeiras presentes nas ruas de Aveiro, pode encontrar-se o inglês, o francês, o espanhol, o italiano e o alemão. Foram feitas entrevistas aos proprietários de lojas e a membros do governo local sobre os possíveis significados da paisagem linguística.
Estes dados permitiram conhecer os argumentos que sustentam as escolhas linguísticas governamentais (públicas) e privadas e ainda criar um significado compartilhado da cidade.
O estudo mostrou que Aveiro é uma cidade multilingue que segue as tendências globais, onde as línguas têm diferentes níveis de relevância e visibilidade. O inglês é predominante entre as 21 línguas estrangeiras encontradas, veiculando os valores da modernidade, da juventude, do turismo, da tecnologia e da moda. Um olhar mais aprofundado sobre as formas como essas línguas interagiram entre si revelou 58 padrões de combinações de idiomas, sendo a combinação de português-inglês a mais utilizada. A paisagem exibiu cinco sistemas de escrita diferentes combinados em 14 modos distintos: latino, cirílico, árabe, japonês e caracteres chineses.
Entre as línguas estrangeiras e as da imigração, também se observou que o chinês é a língua que tem uma presença simbólica mais forte usando estratégias de autenticação, nomeadamente opções tipográficas e características de arquitetura que contribuem para a visibilidade da língua e para a sensação de sotaque estrangeiro na sua forma escrita. Além disso, esta paisagem exibe duas naturezas distintas de graffiti: o negociado, sendo consentido pelas autoridades locais num processo dialógico com os cidadãos; e o de transgressão, atuando como uma voz de protesto e dos dissidentes.
A paisagem linguística revela como nos apresentamos ao mundo e como comunicamos uns com os outros. É uma paisagem repleta de História, de pessoas, que percorre muitos caminhos e que conta muitas histórias.
Quando caminhamos pelas ruas de Aveiro, lemos, interagimos, descobrimos, exibimos, jogamos, aprendemos, administramos, agimos, desafiamos, comunicamos. Logo, a paisagem linguística tem um importante valor educativo e social e materializa o desafio de abrir os muros da escola à vida quotidiana de uma cidade.
Esta paisagem permitiu criar recursos educativos inovadores e interdisciplinares para o 1º Ciclo do Ensino Básico, sustentados pelo objetivo de promover o Pensamento Crítico e Criativo desde os primeiros anos de escolaridade e de estimular a construção da cidade desde a infância. Conclui-se que a integração da paisagem linguística na educação beneficia da abordagem interdisciplinar, multimodal e das multiliteracias o que permite ir muito além da aprendizagem de línguas fora da sala de aula.
Estas abordagens estão interligadas com a dimensão do Pensamento Crítico, necessária para compreender os significados dos textos imediatamente visíveis na paisagem, mas também das camadas invisíveis. Tomar uma posição crítica desde a infância é crucial para ler as razões por trás das escolhas, a ausência intencional de certas línguas/imagens e alcançar as relações complexas entre o contexto social, político, cultural e econômico, permitindo uma participação informada e a compreensão da sociedade.
No contexto atual de radicalização agressiva, de marginalização, de imigração, de insegurança global e do crescente interesse e vontade do cidadão em querer participar nas decisões que dizem respeito ao local onde vivem, as cidades enfrentam o desafio da gestão da diversidade e o imperativo de contribuírem para criar um espaço público praticado pelos habitantes desde a infância, atuando como um espaço promotor da tolerância, do pensamento crítico e criativo através da compreensão e planeamento da paisagem linguística como grande arquiteta de espaços e lugares reais e imaginados com os quais todos crescemos.
* Investigadora do Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro. Artigo publicado originalmente em https://uaonline.ua.pt/pub/detail.asp?lg=pt&c=58065