Metade das deslocações nas cidades são inferiores a 5 km, e muitas delas poderiam ser feitas de bicicleta, ou a pé, se existissem condições de conforto e segurança para o uso destes modos.
Por Rui Igreja / MUBi *
Aproveitando o Dia Mundial da Bicicleta, a MUBi pede aos decisores políticos mais compromisso e empenho na mudança do paradigma da mobilidade, priorizando as deslocações a pé e em bicicleta e o transporte público, em detrimento da utilização do automóvel individual. A bicicleta é o modo de transporte energeticamente mais eficiente e, a seguir ao caminhar, o mais ecológico. Investir nos modos activos contribui para a redução da dependência dos combustíveis fósseis e das emissões, e, ao mesmo tempo, para a saúde pública, a economia e melhor qualidade de vida nas cidades.
Pelos benefícios de saúde pública, qualidade de vida urbana, ambientais e económicos da utilização da bicicleta como modo de transporte, a Organização das Nações Unidas decretou o dia 3 de junho como Dia Mundial da Bicicleta[1]. Neste dia, a MUBi apela ao Governo e aos Municípios portugueses para que mostrem mais compromisso e empenho político em tornar a utilização da bicicleta uma opção de mobilidade viável, segura e confortável para muitos mais portugueses, em alternativa ao uso do automóvel particular.
A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030 foi publicada há três anos com o objectivo de que a taxa de utilização da bicicleta como modo de transporte em Portugal convirja com a média europeia. Para que sejam cumpridas as metas da ENMAC, em 2025, já daqui a três anos, 4% das deslocações nas cidades portuguesas deverão ser feitas em bicicleta, o que corresponde a multiplicar por dez a utilização da bicicleta nas duas áreas metropolitanas face a 2017. Até 2030, pelo menos uma em cada dez viagens nas cidades deverá ser feita neste modo, reduzindo o uso do automóvel, para o que será preciso criar mais de meio milhão de ciclistas quotidianos até ao final da década. Alcançar estas metas exige um grande esforço e investimento colectivo do Estado para uma profunda transformação da mobilidade urbana. Contudo, cumpridos 25% do seu período de implementação, a ENMAC 2020-2030 está muito atrasada e em risco de falhar as metas intercalares para 2025. Urge, por isso, que haja liderança política e alocação de recursos humanos, técnicos e financeiros para a coordenação e execução das medidas desta Estratégia e a prossecução dos seus objectivos.
Os investimentos em transportes públicos devem ser articulados e complementados com investimentos nos modos activos, criando redes de percursos seguros e confortáveis a pé e em bicicleta em redor das estações e interfaces de transportes públicos, como sucede em outros países da Europa.
É igualmente importante trabalhar e investir na alteração da cultura da mobilidade. As crianças portuguesas precisam de recuperar o direito à liberdade e autonomia de usarem o espaço público onde vivem em segurança, incluindo poderem aceder a pé e em bicicleta à escola. Mas é igualmente necessário educar públicos diferenciados acerca dos benefícios dos modos activos e dos prejuízos da dependência e utilização excessiva do transporte motorizado individual. São também necessárias novas políticas fiscais que penalizem os modos de transporte mais poluentes e nocivos.
O uso excessivo e abusivo do automóvel continua a constituir o principal factor de insegurança e o maior obstáculo a que mais pessoas usem a bicicleta ou andem a pé nas cidades portuguesas. É preciso, por um lado, que as autarquias deixem de privilegiar e fomentar o uso do carro e garantam segurança aos utilizadores de todos os modos de transporte, redistribuindo o espaço público de forma mais equitativa, baixando velocidades e reduzindo a ameaça que constituem os veículos motorizados. Muitas cidades europeias têm vindo a generalizar o limite máximo de velocidade de 30 km/h nas zonas urbanas, e a medida é recomendada por várias organizações, como as Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde e o Parlamento Europeu[2].
É, também, fundamental mais fiscalização de comportamentos irresponsáveis na condução automóvel, em particular em relação aos utilizadores vulneráveis, como a Assembleia da República recomendou por unanimidade ao Governo[3]. Portugal é dos países europeus com piores índices de sinistralidade rodoviária dentro das localidades, e com menores taxas de fiscalização. A título de exemplo, em Portugal há por ano cerca de 40 multas por excesso de velocidade por mil habitantes; na Holanda, há perto de 500[4]. Em Portugal, o incumprimento das regras de ultrapassagem a ciclistas e à passagem de peões na berna – reduzir a velocidade, ocupar a via adjacente, no caso da manobra de ultrapassagem, e guardar a distância de segurança de pelo menos 1,5 m – é recorrente e generalizado, contudo contam-se pelos dedos das mãos as autuações relativas a estas infracções que em cada ano as autoridades policiais aplicam em todo o território nacional.
Os municípios portugueses devem desenvolver Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS), assentes em processos contínuos transparentes e participados, seguindo os princípios de priorização dos modos activos e colectivos de deslocação para a redução da dependência do automóvel. A União Europeia pretende privilegiar as cidades com PMUS aprovados, seguindo esses critérios, na distribuição de financiamentos para a mobilidade urbana no próximo quadro de apoios. A Comissão recomenda aos Estados Membros a criação de programas nacionais para ajudar os municípios no desenvolvimento e implementação de PMUS. Lisboa é a única capital europeia sem um PMUS aprovado e publicado.
Os preços dos combustíveis fósseis tenderão a continuar a aumentar nos próximos anos, e reduzir as emissões é mais urgente do que nunca. O sector dos transportes é, desde 2019, o sector com maior peso (28%) nas emissões em Portugal, tendo as emissões dos transportes aumentado 12% na última década e 60% desde 1990. Contudo, no Plano de Recuperação e Resiliência, o Governo decidiu destinar mais de 700 milhões de euros à construção de mais estradas e zero aos modos activos, e agora em apenas 8 meses terá destinado outros 700 milhões dos cofres do Estado para a redução de impostos sobre os combustíveis fósseis. Sem uma mudança radical de prioridades de investimento, o país estará em sérias dificuldades para cumprir o compromisso de redução de emissões no sector dos transportes em pelo menos 40% até 2030. Cada vez mais estudos demonstram que reduzir o consumo de combustíveis fósseis investindo em modos de transporte mais eficientes e menos poluentes – como os transportes públicos, o caminhar e a utilização da bicicleta – é essencial para simultaneamente criarmos cidades mais seguras, saudáveis e sustentáveis.
Metade das deslocações nas cidades são inferiores a 5 km, e muitas delas poderiam ser feitas de bicicleta, ou a pé, se existissem condições de conforto e segurança para o uso destes modos. Para além de serem os modos de transporte mais ecológicos, o caminhar e a bicicleta constituem também os investimentos mais fáceis e com melhor rácio custo-benefício do sector dos transportes. No âmbito do plano que recentemente lançou para fazer frente à actual crise energética, RePowerEU, a Comissão Europeia insta os Estados Membros a reduzir o consumo de energia e propõe, entre outras, um conjunto de medidas de investimento e incentivo às deslocações a pé e em bicicleta e redução do uso do automóvel nas cidades[5].
A bicicleta fica bem nos discursos políticos, mas isso não chega. É preciso que os decisores políticos, nacionais e locais, passem das palavras à acção. Privilegiar a utilização da bicicleta e o caminhar nas políticas urbanísticas e de mobilidade, em detrimento do automóvel, é das formas mais fáceis e eficientes de reduzirmos o consumo de combustíveis fósseis e as emissões. Ao mesmo tempo estaremos a contribuir para a saúde pública, a economia das famílias e cidades mais seguras, resilientes e sustentáveis.
* MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta.
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