De universidades para agências de ensino superior ?

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Universidade de Aveiro.
Natalim3

Interrogo-me sobre a caracterização de percursos formativos personalizados, de curta duração, com que aprofundamento de aprendizagem e que, eventualmente, porque individualizados, serão bastantes, diversos e marcados pela interdisciplinaridade satisfazendo – com que assertividade? – os desafios de hoje; o que pressupõe deles haver conhecimento circunstanciado e a compaginarem-se com a necessidade de resposta em qualquer país.

Por Brasilino Godinho *

1. As universidades têm séculos de existência e de muitíssima utilidade. Em todo o mundo e em Portugal. Verdade de Senhor De La Palisse, incontestável e reconhecida em todo o mundo civilizado.

Nestas décadas do século XXI, em Portugal, vem-se discutindo bastante o papel central da Universidade na sociedade. E quando se aborda esta temática desde logo ela fica algo inquinada pela razão induzida de a correlacionar quase que exclusivamente no contexto das Ciências e passando ao lado das Humanidades, que foram sempre determinantes no evoluir das nações e se constituíam imagens de marca das Universidades.

Na hora actual descartar as Humanidades e as Ciências Sociais da instituição Universidade é desvirtuar-lhe o sentido universal de um todo existencial concernente ao ser humano nos mais díspares domínios tidos como essenciais e sejam: saber/conhecimento, moral, social, político, intelectual e artístico.

Mas também inviabilizar a formação humanista das novas gerações com implicações graves no futuro da sociedade portuguesa; de que já vamos tendo demonstrações pungentes.

No horizonte que se enxerga na actualidade despontam robots humanos concebidos para os exercícios profissionais, mas desprovidos de alma, de coração e sem visão ou discernimento para verem um palmo à frente do nariz. Bem ponderada a questão porque redutora na sua inicial proposição e sem forçar muito a nota há que admitir ser ela compaginada com uma mais ou menos subtil desvalorização da Universidade em Portugal.

O que não surpreende se tivermos em conta que a desvalorização da instituição Universidade arrancou com a absurda aceitação das universidades seniores, universidades de verão e das universidades tipo vão-de-escada, que vêm distribuindo licenciaturas arrelvadas, socráticas e felicianas – sem manifesta/vigorosa repulsa da Universidade de Portugal.

Daí que se imponham medidas que, pela sua eficaz aplicação, traduzam a reabilitação do Ensino Superior e a ele lhe devolvam o merecimento público e a recuperação do estatuto e prestígio em más horas perdidos ou gratuitamente adulterados.

2. Se isso é uma premente exigência que partilho com a maior intensidade, a mui contragosto e bastante penosamente, custa-me aceitar a ideia de uma revolução nos processos de ensino e numa modificação radical “nos modelos formativos mais flexíveis que o tradicional curso/diploma.”

Sinto apreensão quando se fala numa “tendência crescente para percursos formativos personalizados, de curta duração, marcados pela interdisciplinaridade que caracteriza os desafios de hoje. Por outro lado, a globalização e internacionalização crescentes impõem-nos a necessidade de darmos resposta em qualquer país, sem prejuízo para o estudante.”

Esta transcrição inserida no parágrafo antecedente é de texto do Magnífico Reitor da Universidade de Aveiro, publicada no JN; a qual é feita com a devida vénia a Sua Excelência.

Sobre ela coloco foco nas seguintes expressões: “tendência crescente”, “desafios de hoje”, “darmos resposta em qualquer país, sem prejuízo para o estudante.”

Interrogo-me sobre a caracterização de percursos formativos personalizados, de curta duração, com que aprofundamento de aprendizagem e que, eventualmente, porque individualizados, serão bastantes, diversos e marcados pela interdisciplinaridade satisfazendo – com que assertividade? – os desafios de hoje; o que pressupõe deles haver conhecimento circunstanciado e a compaginarem-se com a necessidade de resposta em qualquer país.

Como portugueses, interessados na “necessidade de darmos resposta em qualquer país”? Que trabalho de pesquiza a desenvolver para apurar essas necessidades? Não será mais de considerar as respostas às necessidades de Portugal? Porquê em Portugal prosseguir a formação superior de jovens encaminhados para o estrangeiro e este propósito ser mesmo traduzido em letra de forma? Países estrangeiros que passam a beneficiar de profissionais competentes a título gratuito sem terem gasto qualquer verba na sua formação académica. O País, muito endividado, pode dar-se a esse caríssimo luxo?

Afigura-se-me intrigante a expressão “sem prejuízo para o estudante.” Pois subentende-se que até agora o Ensino teria sido ministrado com prejuízo para o estudante.

Pela parte que me diz respeito, estudante octogenário que fui, entre os anos lectivos 2008/2009 e 2016/2017, cursando Licenciatura e Doutoramento, respectivamente nas Universidades de Aveiro e do Minho, posso testemunhar que não tive qualquer prejuízo. Pelo contrário, obtive enriquecimentos de saberes e muitos outros de vivência académica muito gratificantes.

Também estou convencido que, ao longo do tempo, muitos estudantes – de sucessivas gerações – do Ensino Superior obtiveram vantagens e alcançaram sucessos mesmo além-fronteiras, onde lhes tem sido reconhecido mérito e é enaltecida a excelência da qualidade da Universidade de Portugal.

3. Receio que se esteja programando a transformação das universidades em unidades que designaria como AGÊNCIAS DE ENSINO SUPERIOR.
Até de promoção de turismo lectivo/científico, disfarçado de intercâmbio ERASMO, porventura?

4. Ainda sem desviar atenção dos “percursos formativos personalizados de curta duração” devo confessar meu desconforto em ter de reconhecer que as universidades subsidiárias das JOTAS (partidárias) ao ministrarem cursos de licenciaturas arrelvadas, socráticas e felicianas, terão sido pioneiras na concepção, concretização dos mesmos e nas aplicações funcionais que têm vindo a ser registadas nos últimos anos; alcançando clamoroso(…) aproveitamento dos licenciados que o foram; beneficiando das facilidades que agora se apresentam como prioritárias para satisfazer os desafios do mundo global, que tudo subjuga no presente estádio da sociedade.

Também nesses badalados cursos se revelou a pertinente dependência dos docentes, pois que foram eles que “impulsionaram a inovação e transformação nos processos de ensino e aprendizagem” que tão brilhantes terão sido; como foi conhecido urbi et orbi.

Exemplo do alcance desse pioneirismo está bem patente, nos 70 gabinetes ministeriais do governo português, onde se encontram confortavelmente abrigados muitas dezenas de jovens licenciados admitidos como especialistas de 1.ª classe – que verdade seja escrita: especialistas de coisa nenhuma; porquanto a especialização não se adquire com cursos de reduzida aprendizagem e só é obtida com tarimba, associada a aprofundado e continuado estudo. Esta verdade tem de estar presente no espírito dos altos responsáveis do Ensino em Portugal.

5. Outro importante aspecto a anotar é que se dantes eram procuradas as pessoas com credenciadas habilitações para preencherem os lugares; agora cresce a moda de se procurarem ou se criarem os lugares com requisitos instalados ad hoc para “preencherem” as pessoas e as suas formações flexíveis e pessoalíssimas.

O que aqui antecede escrito sobre os gabinetes ministeriais ilustra bem esse modismo, que me parece, de todo, pernicioso e até com ressaibos de imoralidade e ao arrepio de elementar ética.

6. Considerando o apontado modelo de ensino superior europeu envolvendo ampla colaboração entre regiões, empresas e sociedade, centrado no estudante, interrogo-me quanto à caracterização e modalidades das colaborações dispensadas pelas regiões e sociedade, tendo em conta que, no centro dos interesses, estará saliente e prioritário o estudante? Como se fará a conjugação? E a harmónica articulação?

Sobretudo – porque é pressuposta a permissão de os estudantes personalizarem a formação e traçarem o próprio rumo em qualquer instituição e país – deduzo que grandes responsabilidades vão recair sobre o estudante envolvido neste moderníssimo esquema que subverte o papel do docente. E este, por sua vez vai ter uma carga de trabalhos, dado que passa ele a ser orientado no que toca ao acompanhamento dos interesses e rumo prosseguidos pelo discente.

7. Tremenda confusão, larga abrangência de matérias e particularidades lectivas, imporão aprendizagens partilhadas de alunos e professores. O que se traduzirá numa faceta peculiar do novo Ensino; ou seja: os docentes retrocedem à condição de mestres aprendizes, de estudantes das matérias escolhidas pelos alunos e de professores de si mesmos.
É algo de inédito. Complicado! Digo: de absurdo e inconcebível; de todo, deplorável!

8. Não creio que os estudantes reúnam condições de variadíssima ordem para facultarem “cruzamento e partilha de saberes”.
Fundamento a crença numa realidade inquestionável: a maioria dos estudantes que entram nas universidades não se apresentam possuidores de uma mínima cultura geral e de elementar cultura portuguesa.

Não são capazes de formularem um juízo crítico e consistente, nem interpretarem correctamente aquilo que lêem. Falta-lhes o estudo de Filosofia.

Não têm hábitos de leitura. Nem lhes é fácil sustentar uma conversa ou discussão em termos de estrutura gramatical, de correlação semântica e de razoável contextura temática.

Precisamente o que seria suposto eles irem adquirir, absorver e apreender, naturalmente, ao compasso do tempo, durante as frequências dos cursos universitários.

9. Agora pretende-se inverter os papéis. E em vez de diplomas, distribuir-se-iam microcredenciais de formações flexíveis e pessoalíssimas de curta duração.

Muito receio pelo futuro das universidades de Portugal.

Também fico receoso dos prejudiciais efeitos do novo Ensino Superior.

Admito que a Pátria está em perigo de soçobrar.

10. Actualmente a Nação portuguesa enfrenta três ameaças:
– desprezo da língua portuguesa e seu colapso;
– grande morticínio da população, pelos efeitos devastadores da Covid-19;
– novo Ensino arrastando a impreparação e o declínio da dúplice formação: educativa e científica das novas gerações. Novas gerações que deveriam ser melhor preparadas academicamente, para Bem da Nação.

11. Parece-me exagerado o empenho em acompanhar à la page tudo o que é novidade e de exótico vai ocorrendo na Europa.
E atente-se que proveniente dos políticos e burocratas de Bruxelas, União Europeia, nem sempre nos chegam as indicações melhores para a nossa vivência colectiva.

Nem é aceitável a cega subordinação aos interesses dos grupos de pressão que dominam a União Europeia e a vão explorando em proveito próprio.

12. Repito: Não desejaria ver as Universidades Portuguesas transformadas em Agências de Ensino Superior.

Finalmente, últimas dicas brasilianas: As universidades portuguesas têm potencialidades de eficaz funcionamento que dispensam a adopção de figurinos estrangeiros.

É minha firme determinação prestigiar tudo que é Português.

A Universidade de Portugal faz jus a ser valorizada e enaltecida. E sob esta visão destaco as Universidades de Aveiro e do Minho, de que fui aluno octogenário, aplicado e reverencial para com ambas, no período de 20 de Outubro de 2008 a 05 de Julho de 2017.

* Doutorado em Estudos Culturais, autor.https://www.facebook.com/brasilino.godinho

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