Há que assegurar de todas as formas, que a pessoa fragilizada e incapaz de se defender, não perde o seu “estatuto” e não é vítima de negligência, abuso, maltrato físico, psicológico ou financeiro, ou vítima de qualquer outra forma de abuso e mau trato, pela pessoa ou pessoas que lhes prestam cuidados.
Lino Maia *
1. De acordo com o Estudo realizado pela CNIS sobre o “Diagnóstico de saúde da população servida pelas IPSS associadas da CNIS”, as principais fontes de rendimentos das pessoas cuidadas em Estabelecimento Residencial para Pessoas Idosas (ERPI – Lar), em Centro de Dia, em Centro de Convívio e em Apoio Domiciliário, são a pensão de velhice (82%), pensão de invalidez (15%), pensão de sobrevivência (2%) e a cargo da família (1%). Da população nestas respostas sociais, 52,91% tem apoio financeiro inferior ao salário mínimo e apenas 17,51% tem apoio financeiro superior ao salário mínimo nacional.
Ainda no quadro deste diagnóstico, 70,57% das pessoas idosas cuidadas em ERPI são mulheres e a maioria das pessoas idosas tem uma ou mais doenças crónicas medicamente diagnosticadas, sendo que 1/3 das pessoas idosas em ERPI tem o diagnóstico de Demência. A incontinência é o problema de saúde com maior impacto nos percursos de saúde dos utentes em ERPI a par das dificuldades de memória e de comunicação, de acuidade visual / auditiva e de uma significativa maioria necessitar de cadeira de rodas.
As incapacidades da população que é apoiada e cuidada nestas respostas sociais, incluindo Centro de Dia e Apoio Domiciliário, são, nomeadamente, na gestão das finanças, alimentação, preparação de refeições, ida às compras, deslocação a serviços públicos, vestir-se, toma de medicamentos, uso do telefone e realização de tarefas domésticas.
É neste enquadramento que as famílias confiam os seus às Instituições de Solidariedade por dificuldades do “cuidador” que vão desde problemas de saúde, depressão e esgotamento, a problemas financeiros. Acresce que em 30% dos utentes de SAD não existe “cuidador informal”.
Importa ainda referir que a pessoa significativa que mais visita os utentes nas Instituições de solidariedade, são os filhos (61%), a esposa e irmãos (7,6%), netos (5,7%), sobrinhos (4,8%), amigos (2,9%), maridos (1,9%) e primos (1%). É assim que temos vindo a propor, o termo de cuidadores, no plural, que, pelo menos no nosso entender, é mais abrangente e inclusivo e não apaga a maioria feminina que constitui a grande obreira dos cuidados ditos informais, ainda que, na nossa ótica de proximidade e objetividade, preferindo sempre falar de família, respeitando a realidade social dos estudos e observacional.
2. Conhecemos os testemunhos pungentes dos familiares de pessoas, nomeadamente com doença de Alzheimer, deficiência e dependências múltiplas, de pessoas com outras demências, pais de crianças com doenças raras, pais de crianças com cancro e tantas outras situações de famílias e voluntários que há décadas as Instituições de Solidariedade testemunham e cuidam.
Também as IPSS são testemunhas das múltiplas carências em apoios psicológicos, de acompanhamento, financeiros e de respostas de proximidade de diversa tipologia que respondam cabalmente às múltiplas necessidades destes doentes e dos seus familiares cuidadores.
Constata-se igualmente a insuficiente formação e informação sobre as especificidades de cada situação e impreparação da maior parte das famílias e da comunidade em geral para fazer face às situações de maior dependência e mais prolongadas, não obstante muitas IPSS venham fazendo, de forma organizada, há décadas, formação às famílias e às populações.
No quadro das necessidades dos cuidadores, maioritariamente familiares, e destes maioritariamente mulheres, como amplamente demonstrado por todos os estudos, e para permitir o descanso dos chamados hoje de “cuidadores”, as respostas de apoio financeiro têm que ser complementadas com outros apoios diversificados e adaptados às realidades locais sociodemográficas, ambientais, de transportes, habitação e de disponibilidade de serviços de proximidade, urgência, entre outros, tendo em conta as dificuldades individuais, familiares, de relação, sociais, profissionais, financeiras, psicológicas e, em geral, de saúde, que estas situações implicam.
Mas os “cuidadores familiares” não são apenas meros “prestadoras de cuidados informais” que não auferem remuneração. Exercem múltiplas funções, que não se esgotam na higiene habitacional ou individual, nos cuidados alimentares diários, na mobilização, acompanhamento e estimulação de capacidades, mas que envolvem compromissos de respeito, dignidade e de vida, afetos e disponibilidades em função de múltiplos fatores, que vão muito para além de um articulado de direitos e deveres.
3. Congratulamo-nos com a Resolução do Conselho de Ministros que, no passado dia 7 de fevereiro, aprovou a proposta de lei que “estabelece um conjunto de medidas de apoio ao cuidador informal e regula os direitos e os deveres do cuidador e da pessoa cuidada”, reconhece a ”importância do cuidador informal” e a valorização da “dedicação pessoal na prestação de cuidados a quem se encontra, a seu cargo, em situação de dependência e/ou incapacidade”.
Certos da bondade desta iniciativa, parece-nos igualmente estruturante assegurar que ela se integre numa visão e abordagem pluridisciplinar, interministerial e integrada das questões relativas nomeadamente à Dependência, ao Envelhecimento, à Deficiência, mas também à Família.
Consideramos fundamental assegurar que esta medida não é promotora da desvinculação ou descomprometimento de outros “cuidadores” familiares, amigos, vizinhos e voluntários, que também queiram participar dos cuidados, mesmo não tendo o referido “estatuto” ou “reconhecimento” atribuído e do mesmo modo que os critérios de atribuição do “estatuto” ou “reconhecimento”, elegem efetivamente os melhores “cuidadores” para as diferentes situações em apreço e que os bens e serviços destinados aos “cuidadores”, se repercutem em ganhos de saúde e bem-estar das pessoas que recebem os cuidados.
Assegurar que complementarmente, as famílias que cuidam têm serviços de proximidade humanizados, de cariz solidário e familiar em que se possam apoiar, nomeadamente apoio domiciliário, de cuidados de vida diária mas também de apoio psicológico, psiquiátrico, neurológico, de fisioterapia e de acompanhamento e vigilância médica e de enfermagem, salvaguardando a privacidade, os interesses e a proteção das famílias e das pessoas que elas cuidam e apoiam.
Há que assegurar de todas as formas, que a pessoa fragilizada e incapaz de se defender, não perde o seu “estatuto” e não é vítima de negligência, abuso, maltrato físico, psicológico ou financeiro, ou vítima de qualquer outra forma de abuso e mau trato, pela pessoa ou pessoas que lhes prestam cuidados.
As IPSS surgem assim como os parceiros de equipa que já lá estão, que cuidam há décadas e séculos, com humanidade, em proximidade e respeito pelos direitos humanos, e são garantes dos mais elevados padrões de respeito pela pessoa humana, de um olhar atento na proteção dos mais fragilizados e indefesos e no apoio a quem, genuinamente, lhes presta cuidados, sejam eles informais, prestados pela família, amigos, vizinhos e voluntários ou por profissionais dedicados, na sua competência diversificada.
As Instituições Particulares de Solidariedade Social, frequentemente, são o suporte das famílias e, muitas outras vezes, a única “família” que cuida…
* Padre, Presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS), editorial publicado no número de março do jornal Solidariedade.pt.