Crise europeia, burocracia e crescimento económico: implicações agrícolas

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Foto do site AEASE.

Em Portugal, a Política Agrícola Comum (PAC) passou a ser plenamente aplicada a partir de 1996, mas, como não foi desenhada para a agricultura portuguesa tradicional, nem a sua aplicação foi adaptada a essa realidade, esta sofreu um definhamento acentuado.

Por Manuel Chaveiro Soares *

De facto as reformas da PAC de 1992 a 2003, ao substituírem as medidas de suporte de preços por ajudas ligadas à produção, conduziram à perda de competitividade económica das explorações agrícolas portuguesas, estimando Avillez (2017) que a nossa superfície cultivada sofreu um decréscimo de 1,3 milhões de hectares por perda de viabilidade económica (a Altri, produtora de pasta de papel, estima que em Portugal há cerca de 1,5 milhões de hectares de mato; acrescente-se que, no entretanto, Portugal continua a importar eucaliptos para abastecer as suas fábricas de pasta de papel).

Ademais, segundo dados da Pordata, o setor agrícola em Portugal tem vindo a perder cerca de 30 mil trabalhadores por ano nas últimas três décadas, colocando assim Portugal como quinto país da União Europeia (UE) com menos trabalhadores na agricultura (29 por cem mil habitantes).

No que toca à produção animal, Portugal, recorde-se, é fortemente dependente da importação de carne de bovino (50%) e de suíno (40%), mas nem por isso a legislação deixa de dificultar a expansão da atividade, favorecendo assim o crescente endividamento do país (temos hoje a 12ª maior dívida pública do mundo – em % do PIB – tal como em 2010 antes do resgate).

Consequentemente, a produção animal não contribui para o enriquecimento dos solos em matéria orgânica – que constitui a base da fertilidade dos solos (Quelhas dos Santos, 2015) – e, ademais, representa o principal reservatório de carbono dos ecossistemas terrestres, ao nível que poderia, sabendo-se que a matéria orgânica reduz os gases com efeito de estufa na atmosfera e assim contribui para mitigar as alterações climáticas (Hinsinger, 2014).

Sobre esta matéria, a anterior legislação (Portaria nº 631/2009, de 9 de Junho) não era exequível. Mas depois do titular da pasta ter reconhecido no Parlamento, em 13 de Abril de 2021, que tinha mudado de opinião e considerava que «o principal destino dos efluentes pecuários é a valorização agrícola e assim deve ser», acrescentando que «os efluentes pecuários podem ser vantagens competitivas e ambientais para a agricultura», foi publicada a Portaria nº 79/2022. Este diploma parece vir viabilizar a referida valorização agrícola dos efluentes, desde que venha a ser complementado com a cartografia onde estejam representadas as áreas suscetíveis de receberem os efluentes pecuários sem que a qualidade das massas de água seja prejudicada e que sejam estabelecidos deferimentos tácitos, para que os agricultores não continuem, como por vezes aconteceu no passado, a aguardar vários anos para receberem uma resposta das entidades oficiais competentes.

A propósito da relação entre agricultura e alterações climáticas, refira-se que o Inventário Nacional de Emissões revela que, em 2019, o setor da agricultura foi responsável por 10,8% das emissões de gases com efeito de estufa em Portugal (a maioria das quais advém da produção animal), cabendo ao setor energético 69,9% (tráfego rodoviário, etc.). Por outro lado, importa anotar a já referida elevada importância da matéria orgânica do solo como sumidouro de carbono (depois dos oceanos é o sumidouro mais relevante , seguindo-se em importância as plantas, que através da fotossíntese absorvem o dióxido de carbono da atmosfera e armazenam o carbono como hidratos de carbono, designadamente celulose e amido (daí a relevância das florestas e da prática da agricultura de conservação).

Adicionalmente, encontra-se em vias de publicação uma diretiva europeia que tem em vista alargar o âmbito do licenciamento ambiental das explorações pecuárias, de modo a abranger os bovinos e, inclusivamente, as pequenas unidades de monogástricos. A eventual aplicação desta diretiva irá trazer uma maior carga burocrática para os agricultores, especialmente gravosa para os de menor dimensão, e, consequentemente, irá elevar os custos de produção, favorecendo assim ainda mais a concorrência dos países terceiros.

As medidas restritivas supramencionadas trazem-me à memória um comentário feito a propósito da exploração de gás natural pelo atual Ministro da Economia, que lamentava o que dizia ser «uma espécie de clima de hostilidade em relação às empresas, mas são elas que criam riqueza».

E a presente situação portuguesa – agravada com a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia – carateriza-se por um fraco crescimento económico, decorrente de uma baixa produtividade, para além de ser afetada pelas debilidades que afligem a generalidade dos países da UE – defesa militar, energia, indústria, digital, segurança alimentar – e que porventura irão pôr fim à atual globalização.

É notável o desenvolvimento do Estado-Providência (saúde, ensino, segurança social) após o 25 de Abril, bem como a melhoria das habitações, da rede viária (atualmente uma das melhores da UE) e da alimentação (quase duplicou a capitação energética, criando mesmo um problema de saúde anteriormente impensável: o excesso de peso registado numa percentagem elevada da população).

Mas este quadro de progresso social não tem sido apoiado num crescimento económico consentâneo. A este propósito importa trazer à colação uma “lei de ferro” da economia: não se dispondo de riquezas naturais, só é possível elevar o nível de vida de uma população aumentando a produtividade do trabalho; esta depende do investimento produtivo, quer dizer, da disponibilidade de maquinaria e equipamento por trabalhador, que no caso português é francamente inferior à média europeia. Cabe notar que, em relação à média da UE, desde os anos 70 a recuperação da nossa produtividade foi de apenas 5%, sendo que tem vindo a piorar desde 1992.

O exemplo irlandês, em que foram criadas condições atrativas para o investimento produtivo, nomeadamente por parte de empresários com capacidade para penetrarem nos mercados estrangeiros, parece-me ser o cenário que melhor pode afastar o risco de insolvência do nosso País, a não ser que se venha a constituir uma Federação europeia, em que os países pobres passem a ser alimentados por transferências de rendimentos.

Mas, de imediato, parece pertinente considerar que nos encontramos a viver em economia de guerra, com subida significativa do custo dos fatores de produção e dos alimentos, pelo que seria avisado não agravar a burocracia, como por exemplo se referiu anteriormente a propósito do sector da produção animal. Também conviria rever a Estratégia do Prado ao Prato, de modo a não diminuir a produção de alimentos, pois é provável que se venha a caminhar para o aumento da soberania alimentar da União Europeia, para além do dever em apoiar países terceiros com graves carências neste domínio.

* Engenheiro Agrónomo, Ph. D. Artigo publicado originalmente no Agroportal.

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