Este mês de fevereiro de 2021 tem sido um pouco mais animador que o anterior mês de janeiro, mesmo com o aumento da taxa de letalidade que está resvés, Campo de Ourique (expressão apropriada associada a outro tsunami, então do terramoto de 1755) dos 2% (ainda há pouco era de cerca de 1,6% …), aproximando-se muito da média mundial (conhecida ou “oficial”) de cerca de 2,1%. Como é que que alguém chamou a esta doença uma “gripezinha”?
Por António de Sousa Uva *
O primeiro erro é que a gripe é uma doença perigosa, e mais ainda se “fatiarmos” a população por grupos etários ou por portadores de certas patologias. De facto, há muitas gripes: desde logo as formas clinicas ligeiras, médias e graves (para não falarmos das suas complicações …).
Para que se vacinariam pessoas se isso não fosse verdade?
Porque “entopem”, anualmente, todos (e há muitos anos) os hospitais e os Centros de Saúde no período estacional em que a doença mais ocorre?
Porque aumenta a mortalidade nesses períodos?
O segundo erro é acrescentar o sufixo diminutivo “inho” apoucando, em gravidade, a COVID-19 em relação à gripe. A primeira leviandade é falar de algo, então ainda menos conhecido do que agora. A segunda insensatez é transmitir aos outros que o risco é desprezável e que, por isso, o empenho nas medidas de prevenção não requer uma atenção especial. A terceira imprudência é que essa comunicação é realizada num contexto de uma representação social de poder em que o emissor e o receptor representam papéis muito diferentes, senão mesmo (pre)potentes. E poderíamos acrescentar mais outros tantos argumentos (talvez ainda mais assertivos) …
O terceiro erro é confundir endemia, epidemia e pandemia que de igual só têm a terminação (sem seque aflorar a origem dessas palavras ou a sua etimologia). Quem sabe se o número crescente de pandemias não desenvolverá uma área cientifica de Pandemiologia, demonstrada que foi a dificuldade, em quase todo o mundo, em lidar com o SARS-CoV-2. Afinal talvez não, porque a Endemiologia também ficou na esfera da Epidemiologia.
E, igualmente e tal como em relação aos argumentos, poderíamos acrescentar mais outros tantos erros …
Se perspectivarmos a questão do ponto de vista económico, empresarial e social, por exemplo, passamos a uma “enormidade” de negligência ou mesmo de insanidade (substantivo, nesta conjuntura, mais apropriado) a não ser que se ache normal que quem é velho ou tem doenças não faz cá falta nenhuma, ou pior ainda, que esse preço justifica a manutenção das actividades sociais e económicas. Mesmo sem confinamento “agreste”, bastará referir o absentismo por doença e os isolamentos profiláticos.
Neste contexto pandémico até a gripe foi eclipsada pela “gripezinha” (terá sido uma espécie de “matricídio ou parricídio”?) por razões incompletamente esclarecidas que poderão ir para além da etiqueta respiratória, do distanciamento físico e do uso de máscaras. Quero crer, como já antes foi assinalado em outros destes meus textos, que os vírus devem ser tão (ou ainda mais) competitivos que os seres humanos. Espero, se comunicarem entre eles, que não refiram “vamos lá infectar esta pessoazinha antes que o nosso competidor o faça”.
* Médico do Trabalho, Imunoalergologista e Professor Catedrático de Saúde Ocupacional da ENSP (UNL). Artigo publicado originalmente em Healthnews .