São os trabalhadores que nestes dias salvam o país, nas milhentas funções e tarefas diárias de saúde e segurança pública e de manutenção de produção em sectores vitais, arriscando a sua saúde e a própria vida. Não poderão ser eles a pagar a crise.
Por Filipe Guerra *
O impacto da pandemia Covid-19 no tecido económico e social da nossa sociedade expos claramente um conjunto de debilidades, contradições e ilusões sociais, económicas e até culturais construídas ao longo das ultimas décadas. E este impacto é hoje particularmente sentido nas classes populares, nos trabalhadores, nos estudantes, nos pensionistas e idosos, mas também nos micro, pequenos e médios empresários.
O trabalhador que se julgava de “classe média” percebe hoje que não o era(esta sempre foi uma ilusão manipuladora), basta-lhe faltar um salário ou apenas parte dele e fica exposta a sua fragilidade económica, dependente do rendimento auferido mensalmente pela sua força de trabalho. O pequeno empresário percebe que o seu negócio não pode parar um mês, sob pena de um desiquilibrio dificilmente recuperável ou do seu esmagamento pelo monopolista da grande superfície.
Por outro lado, fica claro que décadas de ilusões sobre a UE conduziram o país à perda de soberania, destruição do aparelho produtivo nacional(da indústria, das pescas, da agricultura, por contraponto à perigosa dependência da monocultura do turismo), e neste quadro, a permanência na moeda Euro, que condenou o país a quase 20 anos de recessões ou crescimentos anémicos, revela a impossibilidade do país resolver problemas económicos sem instrumentos próprios de soberania financeira e monetária.
A crise é profunda. Num mês apenas, mais de um milhão de trabalhadores caíram em lay-off(em muitos casos será a antecâmara do despedimento), 360 mil estão desempregados(número que crescerá exponencialmente nas próximas semanas e meses), muitos outros viram rendimentos diminuídos, desregulação de horários, bancos de horas, imposição de férias forçadas, chantagens e ameaças várias diariamente. Para muitos pequenos empresários e outros sectores não-monopolistas, que vivem do seu rendimento, a angustia e a falência são cutelos sobre o pescoço. Enquanto isso os grandes grupos económicos continuam a distribuir rendimentos às centenas de milhões.
Neste contexto, é necessária uma intervenção direta e decisiva do Estado para a salvaguarda de postos de trabalho, salários e direitos para os trabalhadores, e também com apoios concretos e reais para a sobrevivência das mPME, inclusive com a nacionalização de empresas de sectores estratégicos(e não para revenda ao desbarato), e assegurando investimento publico que seja reprodutivo de riqueza. Se por outro lado, a política for de austeridade, dos usuais apoios aos grandes grupos económicos, o colapso económico e social é inevitável.
São os trabalhadores que nestes dias salvam o país, nas milhentas funções e tarefas diárias de saúde e segurança pública e de manutenção de produção em sectores vitais, arriscando a sua saúde e a própria vida. Não poderão ser eles a pagar a crise.
Como o Partido Comunista Português tem dito e repetido, ao longo de décadas, é preciso outro caminho, que privilegie a produção nacional, os trabalhadores, as mMPME, o sector publico e as funções sociais do Estado, que prepare o país para decisões difíceis mas que inevitavelmente terão de ser tomadas quanto à manutenção de Portugal no Euro e de continuidade de sujeição às políticas “europeias” que prejudicam o nosso país. A ver se isto muda!
* Jurista, eleito do PCP na Assembleia Municipal de Aveiro.