Covid-19: mais vale fazer mal do que não fazer?

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Atividade hospitalar.

O que sabemos, isso sim, é que estamos a ser uma espécie de Itália da primeira vaga na segunda vaga, com as unidades de prestação de cuidados clínicos a “bater válvulas”.

Por António de Sousa Uva *

Ainda hoje recordo algo que ouvi há mais de vinte anos num congresso da área da Saúde e Segurança do Trabalho numa altercação, no período de discussão, a propósito de uma comunicação livre, em resposta a alguém que apontou um erro capital no modelo teórico e na população e métodos de um qualquer estudo realizado. Já nessa altura se faziam estudos mais para “fazer carreira” do que para criar conhecimento numa determinada área de conhecimento e se achava preferível fazer mal (hoje alguns dirão que é quase a regra …) do que não fazer.

Ainda hoje me arrepio ao pensar no pensamento que subjaz a tal tipo de comentário que, durante anos, achei impossível acontecer em académicos ou universitários (ainda hoje penso assim …).

Não sei porque me lembrei disso a propósito da pandemia de COVID-19!

Sei, isso sim, que as estratégias escolhidas, ou as políticas escolhidas, catalisam a opinião de especialistas e de opinion makers (ou influencers) sobre a qualidade das políticas públicas adoptadas que alimentam dois ou três dígitos de horas de “talk shows“ televisivos ou da imprensa escrita ou falada sobre a maior ou menor eficácia das medidas de gestão do risco de infecção pelo novel coronavirus.

Se ligarmos isso aos especialistas em Saúde Pública, Virologia e Infecciologia que brotaram como gramíneas na Primavera em todas as suas áreas científicas, principalmente em Epidemiologia e em Imunologia, ficamos um pouco ainda mais inseguros. Se lermos alguns estudos, mais de jornalismo pseudo-científico do que científicos, a nossa preocupação então agudiza-se ainda muito mais.

Vem isto a propósito do actual confinamento, da propagação do SARS-CoV-2 em menores de vinte anos e das políticas adoptadas. Por exemplo:

Pode presumir-se que na Alemanha e Reino Unido são todos uns ignorantes, por adoptarem diferentes políticas?

Pode presumir-se que a Alemanha com cinco vezes menos casos errou ao determinar medidas de gestão de risco mais “apertadas”?

Claro que quem tem que decidir o tem que fazer com o conhecimento disponível e uma margem enorme de erro, determinado pelos escotomas de conhecimento existentes e que essa tarefa é muito, mas mesmo muito, difícil (e merece de todos o máximo de respeito). Mas quem decide está lá, eleito, porque se propôs a essa função … Ou quer-se “sol na eira e chuva no nabal”?

O que sabemos, isso sim, é que estamos a ser uma espécie de Itália da primeira vaga na segunda vaga, com as unidades de prestação de cuidados clínicos a “bater válvulas”.

Estaremos a ter as melhores estratégias de prevenção (leia-se Saúde Pública) ou as melhores políticas públicas? Ou o raciocínio de “ser preferível fazer mal do que não fazer” afinal poderá fazer sentido?

* Médico do trabalho, Imunoalergologista e Professor catedrático da NOVA (ENSP). Artigo publicado originalmente no site Healthnews.

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