Como podemos compreender que um rio extraordinário, onde a fauna nos últimos anos tem tomado o seu lugar, com a presença de lontra, toupeira-de-água e outras espécies protegidas, seja colocado em causa.
Por Vasco Figueiras *
Em fevereiro de 2012 a população de Couto de Esteves ergueu-se em protesto contra a construção do empreendimento para aproveitamento hidroelétrico de Lourizela, com direito a reportagem em telejornal.
Estávamos em pleno período de consulta pública referente ao estudo incidências ambientais (EIncA) relativo a este empreendimento, no rio Lordelo (afluente do rio Vouga), na freguesia de Couto de Esteves, em Sever do Vouga.
O EIncA com declaração (DIncA) favorável condicionada por parte da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (CCDRC), com a validade de dois anos, também com parecer favorável condicionado pela Câmara de Sever do Vouga, motivou reações contra da Associação Ambientalista Quercus, da população local e uma petição enviada à CCDRC.
De lá para cá, o projeto passou por várias fases. Primeiro, o promotor parece ter desistido do empreendimento, tentado junto do Estado substituí-lo por outro, de outro tipo, noutra região do país, alegando que os caudais do rio não seriam suficientes para garantir o investimento.
Em 2013, com as alterações ao regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) pelo então Governo, a DIncA passou a vigorar por mais quatro anos, até 2018.
O promotor vendo negado o pedido de alteração do projeto para outra região do país, parece voltar em 2018 a apostar no empreendimento de Lourizela, pedindo prorrogação da validade da DIncA por mais 4 anos, que foi aprovada com a justificação de não haver alteração das condições técnicas do empreendimento.
Ora, esta justificação parece-me falsa, pela exposição feita esta semana pelo representante do promotor à população. A localização do paredão da mini-hídrica sofre uma deslocalização de várias dezenas de metros, levando a que terrenos que não estavam previsto ficar submersos, agora fiquem; a construção de um túnel desde o paredão até à foz do rio Lordelo na albufeira do Vouga deu lugar a um tubo em vala, que fará percurso semelhante para desvio da água para a central elétrica, mas com alteração da paisagem, e a área de afetação da albufeira e o volume de água armazenada foram substancialmente reduzidos devido à alteração da localização.
Mas também as condições ecológicas do rio, infelizmente, têm sofrido alterações graves. Neste percurso, nos últimos anos, durante os meses de verão e não só, o rio apresenta-se praticamente sem água corrente. Para além dos impactos ambientais, paisagísticos e agrícolas, verifica-se a afetação de um troço de quase dois km’s do rio com elevado potencial turístico (cascata da Agualva, pista natural de canyoning, trilhos pedestres açudes e regadios). Será construído, também, o edifício da central elétrica pouco depois da ponte pedestre do Chão do Rio, já junto ao espelho de água da albufeira do Vouga, que ainda espera um plano de ordenamento das margens.
Tendo em conta vários fatores como: os 10 anos passados desde a emissão da DIncA, a contestação da população e a existência de alterações, muito significativas, do ponto de vista técnico e ecológico, as instituições responsáveis, não é de considerar ser necessário fazer estudos complementares aos impactos?
Nas últimas semanas a população tem sido abordada com proposta de compra dos terrenos e construções. Ora, parte da população tende a aceitar, devido à possibilidade de expropriação e promessas de benfeitorias como contrapartida.
A Junta de Freguesia (JF) de Couto de Esteves, lançou como alternativa uma campanha para a compra dos terrenos situados na proximidade do rio Lordelo, garantindo a oferta de quantias superiores aos valores oferecidos pela empresa promotora. O presidente da JF apresenta esta como a última possibilidade para salvar o rio. Garantindo a valorização do rio com construção de estruturas de apoio ao turismo.
A meu ver, a população e a JF parecem ter acordado demasiado tarde, porque na verdade a compra dos terrenos por parte da JF pode atrasar o processo, contudo num recurso jurídico por parte do promotor pode levar também à expropriação dos terrenos à JF.
A dificultar a compra por parte da JF está a obrigatoriedade da compra total do terreno, enquanto o promotor necessita apenas da concessão da área afeta pelo empreendimento.
Como podemos compreender que um rio extraordinário, onde a fauna nos últimos anos tem tomado o seu lugar, com a presença de lontra, toupeira-de-água e outras espécies protegidas, seja colocado em causa.
Lembro também que estas populações sofreram ainda há poucos anos o impacto da barragem do Vouga, onde viram, desaparecer locais de grande valor ecológico e de potencial turístico. E sofrem no dia-a-dia o impacto da grande albufeira no clima local, com especial impacto na agricultura.
Após esta reflexão, mantenho ainda várias questões de difícil resposta. As associações locais de defesa do ambiente não têm uma palavra a dizer? Porque é que a JF e a autarquia não investiram atempadamente na valorização e proteção destes locais? Porque é que a comunidade e ou a JF não se organizou numa luta jurídica pela defesa do património? Já que estamos num período de legislativas, os partidos que agitam as bandeiras da ecologia, não têm nada a dizer?
* Morador na localidade.
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