Pode argumentar-se que têm sido feitos esforços para diminuir os impactes do uso das tecnologias explorando modelos de economia circular. Todavia, os ciclos de vida das tecnologias são curtos, o que leva ao aumento do consumo e do “lixo” eletrónico.
Por Maria João Loureiro *
Vinda da área das tecnologias, sou Licenciada em Engenharia Eletrónica e Telecomunicações, pela Universidade de Aveiro, constato que existe um crescente uso das tecnologias, quiçá dependência, e estamos cada vez mais desumanizados.
É necessário usar plataformas para a realização de qualquer tipo de tarefa, que são alteradas ou ficam não funcionais, sem pré-aviso e que são tudo menos amigáveis. Acresce que o consumo de tecnologias tem implicações na situação de extrema vulnerabilidade e aumento de desigualdades em que nos encontramos. Porque compactuamos com esta situação? Que impactes tem? Como reduzi-los? Apresento abaixo alguns argumentos que não esgotam, de forma alguma, a discussão.
Como referem os autores do artigo “La electrónica como catástrofe silenciosa: del excepcionalismo a la evaluación de impacto social de la tecnologia” (publicado na Revista Iberoamericana CTS), as catástrofes silenciosas são toleradas com mais facilidade porque os efeitos são menos visíveis, dado deslocarem-se para os países mais pobres.
Nesses países a mão-de-obra escrava está a aumentar para se extrair a matéria-prima. Testemunho disso é o texto “O que leva Apple, Google, Tesla e outras empresas a serem acusadas de lucrar com trabalho infantil na África” (divulgado na página da BBC News | Brasil). É também para esses países que é direcionado o “lixo” eletrónico que geramos (equipamentos que descartamos). Não sendo este tratado provoca graves problemas ambientais e de saúde.
Nos países ditos desenvolvidos questiono o papel e consequências da dependência das tecnologias no trabalho. Este foi o tema de uma conferência cujo título é muito sugestivo “Depois do fim do trabalho: em direção a uma humanidade supérflua?”, proferida por Anselmo Jappe (transcrição disponível na Internet). A análise foi feita em 2013 mas tem, a meu ver, muita acuidade. Reconheço que o emprego tem aumentado nas áreas STEAM (científicas e tecnológicas).
Esse emprego, contudo, só é acessível a uma camada de população, com formação adequada, cuja percentagem é pequena e tem um volume insustentável. Todos ouvimos responsáveis a vários níveis a enunciar que trabalham mais que 10 horas por dia e ao fim de semana. Os jovens, esses, nem se pronunciam porque a precariedade do emprego é elevada e há vários a aguardar em casa dos pais uma oportunidade.
Por outro lado, pode argumentar-se que têm sido feitos esforços para diminuir os impactes do uso das tecnologias explorando modelos de economia circular. Todavia, os ciclos de vida das tecnologias são curtos, o que leva ao aumento do consumo e do “lixo” eletrónico.
Uma via possível para mitigar o problema passa pelo decrescimento do consumo de tecnologias e uma discussão alargada do conceito de “ecologia responsiva”, que analisa “glocalmente” (pensar globalmente e agir localmente) os problemas do desenvolvimento da civilização, contrariamente a uma economia baseada em recursos.
* Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro. Artigo divulgado originalmente em https://www.ua.pt/pt/noticias/13/70007
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