Construção em Terra, o Adobe de Aveiro

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Sendo a terra um material de construção usado desde tempos ancestrais, devido à sua disponibilidade e facilidade de utilização, continua a ser utilizada na atualidade na execução de materiais de construção com uma forte componente ecológica.

Por Ana Luísa Pinheiro Lomelino Velosa *

A terra crua, sem recurso à utilização de processos de cozedura, é um material acessível que foi amplamente utilizado através dos séculos em obras emblemáticas tais como a Muralha da China, o Alhambra de Granada, a cidadela de Chan Chan, no Peru, ou a cidade antiga de Shibam, no Iémen, todas classificadas como património mundial pela UNESCO.

O uso da terra como material de construção compreende uma elevada versatilidade, sendo aplicável em várias técnicas construtivas para a execução de paredes. Embora as técnicas de construção em terra estejam muitas vezes associadas à arquitetura vernácula, é indubitável a sua utilização lata por diversos tipos de edifícios, englobando muralhas, estruturas monumentais e edifícios urbanos e rurais. De entre os vários tipos de construção em terra, destacam-se as paredes executadas com blocos de adobe, em taipa ou paredes de tabique, todas elas com ampla utilização em Portugal.

Aveiro situa-se numa zona onde não abunda a pedra e sendo prática o recurso da construção tradicional a materiais locais, até há algumas décadas atrás, o adobe foi o material de eleição para construções rurais e urbanas. Na região de Aveiro, a construção em alvenaria resistente de adobe teve grande relevância nos finais do séc. XIX, e primeira metade do séc. XX, decrescendo o seu uso até aos anos sessenta do século XX. O adobe de Aveiro é conhecido como “adobe de cal” devido à especificidade da sua composição, com base em agregados provenientes de areeiros locais e cal aérea. Foi empregue numa zona mais vasta que abrange a Murtosa, a norte, e a zona de Mira, a sul. Produzido por adobeiros, que garantiam uma produção em série e marcavam os seus adobes, tinha também uma componente de produção própria associada a fenómenos de auto-construção. No entanto, na proximidade de Aveiro, devido à presença de matérias-primas distintas, também foram executados adobes com lodo e fibras, com especial relevância na zona de Fermentelos, na vizinhança da Pateira de onde eram extraídos estes materiais.

Sendo os adobes de Aveiro, adobes de cal, seria sempre empregue cal aérea para a sua estabilização. Embora existam relatos da utilização de cal dolomítica, ou “cal churra” como era designada e isso fosse possível devido à proximidade de produção de cal com estas características, análise efetuadas ao adobe revelam preponderantemente o uso de cal cálcica. Também, devido à especificidade de serem “adobes de cal”, era empregue uma quantidade de cal viva significativa que se estima em 1 volume de cal viva para 3 ou 4 volumes de terra. A prática tradicional pressupunha o apagamento da cal juntamente com a terra, permitindo que a reação exotérmica se desse já com a mistura e eventualmente gerando uma maior coesão entre os materiais empregues. Esta necessidade de estabilização é adicionalmente motivada pelo facto de que a terra empregue para manufatura de adobes na região de Aveiro era extremamente arenosa e continha uma baixa fração argilosa.

A produção desenrolava-se entre os meses de maio e setembro e os adobes eram guardados durante um ano antes de se proceder à sua utilização. Este procedimento é fundamental em adobes de cal, pois permite a carbonatação do ligante e o endurecimento dos blocos com vista ao seu manuseamento e uso.

* Professora Associada com Agregação no Departamento de Engenharia Civil (DECivil) da Universidade de Aveiro. Artigo para assinalar o Dia Mundial da Terra publicado originalmente no site UA.pt.

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