Conseguirão os municípios deixar de abater animais errantes ?

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Canil (foto genérica).

Temos os municípios em incumprimento da Lei, como é o caso de Aveiro, que referem dificuldades que não lhes permitem o seu cumprimento.

Marta Dutra *

No passado dia 23 de Setembro de 2018 deixou de ser permitido abater animais saudáveis nos Centros de Recolha Oficial de Animais (CRO). Este foi o culminar do período de dois anos atribuído pela Lei 27/2016 para que os municípios portugueses se adaptassem e levassem a cabo medidas para a sua efectividade.

Face às dificuldades que parecem fazer-se sentir em alguns municípios no cumprimento desta Lei, o PAN Aveiro organizou, no passado dia 29 de Setembro, uma Conferência subordinada ao tema “Fim dos Abates nos Centos de Recolha Oficial – A Mudança de Paradigma”, sobretudo com o intuito de esclarecer algumas dúvidas que a lei ainda parece suscitar. Em traços gerais apresentam-se abaixo algumas das conclusões da mesma.

Muitos municípios portugueses já não recorrem à eutanásia como forma de controlo da população animal. Exemplo disso é a Lourinhã, Lisboa, Oeiras, Sintra, Póvoa do Varzim, Seixal, Monchique, Almada, Amadora, Castelo Branco, Bombarral, Leiria, Viseu, para nomear apenas alguns. E refira-se que alguns destes municípios já não abatiam animais nos Centros de Recolha Oficial antes da entrada em vigor da citada lei, como é o caso da Lourinhã que não abate animais desde 2006.

Como é que isso se consegue? A própria lei 27/2016, de 23 de Agosto, que “aprova medidas para a criação de uma rede de centos de recolha oficial de animais e estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população”, seguida da Portaria 146/2017, de 26 de Abril, traçam o caminho a seguir. De forma muito sucinta:

– Obrigatoriedade de Centros de Recolha Oficial de Animais e modernização dos serviços de Veterinária;
– Esterilização obrigatória dos animais que tenham dado entrada nos CRO e que não tenham sido reclamados pelos seus detentores no prazo de 15 dias;
– Implementação dos programas CED – Captura, Esterilização, Devolução – no caso das colónias de gatos;
– Campanhas de Esterilização e Campanhas de Adopção de animais abandonados;
– Campanhas de Sensibilização sobre os benefícios da esterilização, bem como Campanhas de Sensibilização para o respeito e protecção dos animais e contra o abandono, levadas a cabo pelas Câmaras Municipais, as quais poderão ser realizadas em colaboração com associações zoófilas;
– Integração das preocupações com o bem-estar animal no âmbito da Educação Ambiental desde o 1º Ciclo do Ensino Básico;
– Os cães e gatos encaminhados para adopção pelos CRO devem ser identificados e registados na base de dados nacional em nome dos adoptantes;
– Câmaras Municipais e CRO devem divulgar publicamente os animais disponíveis para adopção, nomeadamente através de plataforma informática.

Para além das medidas previstas na Lei, e porque não se pretende de todo que os CRO sejam depósitos de animais, os municípios têm encontrado outras formas para evitar a sobrelotação dos seus canis e para sensibilizar os seus munícipes para estes assuntos, nomeadamente:

– através da criação de redes de Famílias de Acolhimento Temporário, onde Lisboa constitui um excelente exemplo;
– parques de alojamento para matilhas, algo que se encontra previsto em Sintra para o caso dos animais em matilha com menores hipóteses de adopção e que assim deixarão de andar pelas ruas, mas também não ficarão confinados a jaulas nos CRO.

Nestes municípios fica bem patente a necessidade de os mesmos criarem uma dinâmica de cooperação com as associações zoófilas locais, bem como de estender essa cooperação aos cidadãos em geral que se disponibilizam para ajudar animais errantes.

Por outro lado, temos os municípios em incumprimento da Lei, como é o caso de Aveiro, que referem dificuldades que não lhes permitem o seu cumprimento, levando mesmo a Associação Nacional de Municípios a solicitar ao Governo a prorrogação da proibição do abate, pedido a que o Governo não acedeu.

As queixas mais comuns destes municípios são:

– O apertado prazo de dois anos para construir/requalificar os Centros de Recolha Oficial e as verbas disponibilizadas pelo Governo serem insuficientes;
– A responsabilidade dos municípios pelos seus animais errantes, cuidados básicos, vacinação, etc., não é de agora. Desde 1925 (Decreto nº11242, artº 3º) que é obrigatório os municípios possuírem canis/gatis. Mais recentemente temos legislação que atribui competências e obriga os municípios a recolherem os animais errantes e a possuírem centros de recolha: Decreto-Lei nº 317/1985 (artº 20º), Decreto-Lei nº 276/2001 (artº 19º), Decreto-Lei nº 314/2003 (artº 8º);
– Quanto a prazos, levanta-se, pois, a seguinte questão: de quantas mais décadas necessitariam os municípios em incumprimento para construírem os seus Centros de Recolha? A Lei 27/2016 mesmo assim concedeu dois anos para que os municípios se pudessem adaptar àquilo a que a própria lei os obriga.

Relativamente a ajudas do Governo, o PAN conseguiu aprovar e introduzir no Orçamento do Estado de 2017 e de 2018 uma verba de dois milhões de euros para apoiar os municípios na construção e reconstrução dos seus centros de recolha oficial e que fosse destinada uma verba de 500 mil euros para uma campanha nacional de esterilização de animais.

Neste momento, o Governo já lançou vários programas de incentivo, sendo que a maioria dos municípios não apresentaram candidatura a qualquer tipo de ajuda. A título de exemplo, dos 500 mil euros atribuídos para as esterilizações, foram disponibilizados pouco mais de 40 mil euros, por falta de candidaturas por parte dos municípios.

Também não há memória que a Associação Nacional de Municípios Portugueses tenha feito chegar qualquer pedido junto da Assembleia da República para que estas ajudas fossem contempladas em Orçamento de Estado.
O que distingue, então, estes municípios que não cumprem a lei na área do bem-estar animal dos municípios referidos em primeiro lugar?

O que mais ressalta é a falta de sensibilidade dos autarcas para estas matérias e a sua vontade, ou falta dela, para cumprir os trâmites da lei, bem como a sua incúria ao longo de muitas décadas. Neste momento a sociedade exige-lhes uma mudança de comportamento. E quem abater animais nos CRO fora dos requisitos da Lei incorrerá na prática de maus-tratos a animais, o que é crime segundo o nosso Código Penal.

Como referimos, em Portugal já existem muitos municípios que possuem boas práticas na área do bem-estar animal, que não abatem animais, promovendo em seu lugar a esterilização e que comprovam que é possível aplicar com sucesso a Lei 27/2016.

De salientar que esta lei que proíbe o abate de animais errantes nos CRO partiu de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos e que foi aprovada por unanimidade na Assembleia da República. Esta lei reflecte, sem dúvida, o avanço da mentalidade nestas matérias e o sentir da maioria dos portugueses que esperam que as suas autarquias a cumpram.

Obviamente que será necessário continuar a sensibilizar os cidadãos para que o abandono dos animais de companhia passe a ser algo do passado, tal como será necessário continuar a sensibilizá-los para a importância da esterilização. Mas nada disto é novidade, bem pelo contrário, é prática comum em muitos dos países da Europa.

* PAN Aveiro