Passaram 50 anos desde a Revolução de Abril, que para além de nos ter dado a Liberdade e a Democracia, pôs um fim à Guerra Colonial, que já durava há 13 anos, e permitiu iniciar o processo de descolonização dando a independência aos povos africanos.
Por Nuno Alexandre *
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O grande problema é que passados estes anos, o tema Colonialismo e os crimes que Portugal perpetrou contra os países que colonizou ao longo da sua história, foi-se sempre mantendo um TABU na sociedade portuguesa e sobretudo no debate político. Este é um assunto que já devíamos há muito ter começado a discutir. Mas para fazer este debate é preciso que todas as pessoas que se juntem a ele, sobretudo a classe política, tenham conhecimento histórico. Além disso, temos de ter consciência de que este é um tema sensível e que ainda deixa feridas abertas, daí exige-se que este debate seja realizado com a máxima seriedade e rigor, mas também com a consciência de que tem que haver vontade política para acabar com o TABU e assumir os erros!
Alguns encarnaram o papel de “virgens ofendidas” e outros acharam que o debate reaberto pelas mais recentes declarações do Presidente da República só peca por tardio. Eu insiro-me no grupo de pessoas e de historiadores que acham que este debate só peca por tardio. Portugal continua a ser dos países da Europa que continua a varrer para debaixo do tapete os erros praticados nas ex-colónias. Para o historiador Francisco Bethencourt, professor no Departamento de História do King’s College de Londres, Portugal tem atuado como “se não tivesse nada a ver com isso e não pode continuar a ignorar o problema”. O historiador defendeu que “A reparação não é possível ser total, porque Portugal simplesmente não teria dinheiro durante 100 anos para pagar as indemnizações devidas. O que deve haver é seriedade em considerar o problema e deve haver políticas de compensação para pelo menos, e estou a falar do mínimo dos mínimos, criar condições para que a minoria africana em Portugal seja mais bem integrada e educada”.
Se há algo que não é indissociável deste tema são as mentalidades e a forma de como se aborda este período histórico nas escolas. Lembro-me de que no meu tempo de escolaridade, se não me engano no 5º ano, a época dos descobrimentos era sempre abordada como uma fábula onde os portugueses eram os “grandes herois”, e os erros cometidos durante essa época como a escravatura ou o racismo, eram sempre camuflados nos livros de história. Não negando que a forma de lecionar esta época nas escolas mudou, e bem, nós temos que continuar a teimar para que esta época seja abordada de forma clara e correta. As questões sociais, a escravatura, o racismo, os ataques e massacres, os bens culturais saqueados e outras questões não podem ser varridas para debaixo do tapete. Se um dia alguém vos disser que o colonialismo e os descobrimentos portugueses foram uma época dourada e cheia de feitos grandiosos, digam que é MENTIRA! Aconteceram atrocidades que não podem cair em esquecimento e que têm de ser assumidas. E passa também pela Educação passar essa mensagem! Ignorar essas atrocidades é transformar a história do colonialismo português em algo que nunca foi! O colonialismo não foi aquele conto de fadas e de herois que por vezes nos tentam incutir.
Outro assunto que vou abordar e que está diretamente ligada a este tema, é a vandalização de monumentos ligados à época colonial. Há muita gente que pensa que ao vandalizar ou ao exigir a destruição de monumentos, Portugal está a retratar-se perante os países que colonizou. Esse tipo de ações por vezes têm um efeito contrário que se vai fazer sentir mais tarde. O “bota abaixo o monumento” é algo perigoso que irá fazer com que num futuro próximo não haja memória do que a época que ele simboliza representou. Sou totalmente contra a vandalização ou destruição de monumentos sejam eles de que época forem! A solução passa por contar a história como ela foi, expondo os erros e tragédias para que nunca mais se repitam!
Debate Político
O Presidente da República, nas suas declarações afirmou que “há que pagar os custos” dos danos causados pela escravatura e pelo colonialismo, e reiterou que Portugal deve liderar o diálogo com as ex-colónias para dar início ao processo. Primeiramente, acho que deveríamos seguir o exemplo de outros países como França, que em 2017 abriu o debate e começou a discutir a devolução de peças históricas ao Benim e concretizou essa devolução em 2021. Os Países Baixos também procederam à devolução de bens da Indonésia e Sri Lanka e a Suíça entregou ao Egito 32 objetos culturais em 2018. A devolução de património aos países colonizados pelos europeus é uma realidade na Europa. Só em Portugal é que parece causar constrangimento. É preciso abrir um debate político e discutir a abertura de um processo de devolução de bens culturais, onde seja feito um levantamento de património e onde se proceda à sua devolução! Temos património para devolver! Posso dar o exemplo de uma “pepita de ouro” com cerca de 20KG que terá vindo do Brasil no século XIX, por volta do ano de 1875. Atualmente encontra-se em exposição no Museu do Tesouro Real, em Lisboa. Também no Museu de Etnologia, em Lisboa, estão expostas as bonecas Angolanas, que o ex-Ministro da Cultura Pedro Adão e Silva reconheceu que tinham um valor identitário. Mas há mais obras. É preciso que o Ministério da Cultura faça um inventário das obras e peças, e que depois dialogue com os países para que se proceda à sua devolução. Em 2022, o anterior governo reconheceu ser urgente discutir o tema e pôs em cima da mesa fazer esse mesmo inventário, mas o atual governo descartou-se e ignorou essa hipótese. O Governo da direita demonstra não ter vontade política para discutir o colonialismo português e políticas de reparação e compensação. Não sei de que têm medo. Porque os incomoda tanto discutir este tema?
Para além da devolução de património há outras medidas políticas que podem ser tomadas. O apoio financeiro na Educação, na Saúde e noutros bens essenciais e serviços públicos dos países colonizados. Como disse o Historiador Miguel Bandeira Jerónimo numa entrevista ao Jornal Público, pode haver “políticas de apoio no plano educativo, na habitação e na saúde pública.”. Concordo com o historiador. Podem ser tomadas várias medidas, agora é preciso que haja vontade política, que muito sinceramente parece não existir. Nas poucas vezes que ouvimos falar deste tema, foram pouquíssimas, ouvimos discursos e mais discursos e depois o mais importante, que é a ação, nada.
Como já referi em cima, é importante que este debate seja feito com seriedade, clareza, cultura e sem oportunismos. É um tema sensível. A forma como vejo alguns políticos de ambos os espectros a tratá-lo deixa-me por vezes de boca aberta e sem reação. As marcas deixadas pelo colonialismo fazem-se sentir nos dias de hoje. Alimentam o racismo, a discriminação, o ódio e a divisão. E em tempos como os de hoje, onde os revisionismos históricos, os ultra-patriotismos e ultra-nacionalismos perigosíssimos, a xenofobia e os negacionistas do racismo estão muito presentes e se fazem sentir na sociedade, sobretudo com a escalada da extrema-direita, é importante que este debate e investigação seja feito de forma objetiva e clarificadora! Portugal tem de reconhecer os erros que cometeu e assumir as responsabilidades pelas atrocidades cometidas em África e nos restantes países que colonizou. Portugal, ao continuar a ignorar este assunto, está e continuará a estar isolado na Europa.
O País não pode continuar a descartar-se das suas responsabilidades e não pode continuar a varrer este assunto para debaixo do tapete como se nunca tivesse nada a ver com o assunto. Portugal tem de seguir o mesmo rumo de outros países da Europa. Há que acabar com o TABU, há que abrir finalmente o debate político, discutir medidas de reparação e atuar! Se continuarmos a adiar esta discussão, estamos a atrasar o avanço das mentalidades sobre este tema, estamos a arrastar um problema e estaremos de certa forma a condenar gerações vindouras porque como já disse em cima os efeitos do colonialismo ainda hoje se fazem sentir na sociedade portuguesa e continuam sobretudo a massacrar aqueles povos.
Façamos o debate sobre o colonialismo português!
* Estudante de História na FLUC, Aveiro.
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