Cineteatro de Ovar, uma morte proclamada

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Edificio do antigo Cineteatro de Ovar.
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Na linha da desorientação em que de definitivo, mesmo, só a indefinição, que tem caraterizado, ao longo do mandato, este executivo em permanência, no que diz respeito a uma visão estratégica e estruturada, de médio e longo prazo, para o município, assim como uma manifesta ausência de consciência da importância da preservação do património concelhio, traduzida numa nítida erosão cultural, em que prevalece, por falta de engenho e arte, a gestão quotidiana e, muitas vezes, de duvidosa legalidade, de “pão e circo”, em que se pretende fazer do povo o palhaço, enquadra-se o Cineteatro de Ovar, que muito por culpa desta falta de visão, de autarcas de vista curta, foi vendo, ao longo dos anos, adiada a sua prometida recuperação e que, agora, por falta de ideias e vontades, tem já lavrada, na mente destes “Donos D’Isto Tudo”, a sua certidão de óbito.

Por Alcides Alves e Márcia Valinho *

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Este equipamento cultural, fundado a 30 de dezembro de 1944 pela Empresa de Melhoramentos de Ovar Limitada, e projetado pelos arquitetos Francisco Augusto e Luiz Helbling e que, pela sua arquitetura e função, ocupou um lugar central na cidade, mais que um mero espaço de entretenimento, tornou-se, ao longo dos anos, um símbolo da cultura local, impulsionando o desenvolvimento da zona envolvente e fortalecendo a ligação com a estação ferroviária, consolidando, assim, uma nova centralidade da cidade, onde se enquadravam o Mercado Municipal e a Igreja Matriz, zona que, por força da influência cultural das Capelas dos Passos, foi considerada Zona Especial de Proteção, integrando-se o Cineteatro nesta servidão administrativa.

Assim, e sabendo o Executivo em Permanência que o edifício não possui nenhuma classificação constante da Lei de Bases do Património Cultural, pois não é considerado de interesse nacional, público ou municipal, e este último, por mero desleixo municipal, e que agora o poderia preservar porque estaria protegido por legislação específica e patrocinado por recursos externos – veja-se o exemplo de outros equipamentos congéneres, nos nossos concelhos vizinhos – não deixa, quantos aos critérios genéricos de apreciação, definidos na mesma Lei de Bases, de refletir o ponto de vista da memória coletiva e, como tal, ser representante de um valor cultural de significado predominante, bem como “representar um marco na história cultural da cidade e da região, pelo património imaterial a ele associado”, como assim foi classificado, em dezembro de 2009, pela antiga Direção Regional de Coimbra do IPPAR/IGESPAR, no parecer dado à Câmara, aquando de outro pedido de demolição, e no qual “não se autorizava, nem aprovava, a demolição”.

Hoje, decorridos quinze anos, rasgadas várias promessas de prosperidade feitas ao Cineteatro, em ocasiões próprias e, acima de tudo, desbaratados 520.000€, do dinheiro de todos nós, o que propõem para o Cineteatro de Ovar?

A vontade de o arrasar para dar lugar a uma Entrada para o Parque Urbano, (como se o Parque Urbano não tivesse já inúmeras entradas) que por remorsos de consciência, pelo atentado praticado, será designada Praça do Cineteatro.

Contrariamente ao propagandeado, que a decisão agora tomada desmente, nunca foi intenção do executivo em permanência a requalificação, funcionando a indefinição, apenas, como um alijar de responsabilidades, mas o tempo como principal juiz nos declara a verdade.

Assim, pergunta-se: para que é que foi, então, adquirido o Cineteatro, prometida a sua recuperação aos antigos proprietários e gasto tanto dinheiro?

E mais uma pergunta se coloca. A demolição foi decidida por quem? Pelo atual Executivo Municipal, não foi, porquanto nunca este assunto foi levado a reunião de câmara, local próprio de decisão; pelo Orçamento e Plano Plurianual de Investimentos aprovados, também não foi, visto que a demolição não consta destes documentos e, muito menos, pelo povo que sufragou o programa eleitoral do PSD, nas últimas eleições autárquicas, pois a demolição não constava, ou não interessava constar, em lado nenhum, desse rol de promessas.

Por isso, deixamos à consideração de todos. Onde está, então, a legitimidade para, à revelia de toda a comunidade, se decidir, em fim de mandato, a demolição do Cineteatro de Ovar, quando no passado recente, os mesmos que agora o querem demolir, defendiam, em grandes parangonas e conferências mediáticas, a sua recuperação e a sua transformação em equipamento cultural, justificando, assim, os gastos havidos?

Se era para arrasar para que foram, então, gastos, do dinheirinho de todos nós, 570.000€?

É caso para dizer. Que grandes investidores moram na Praça da República!

Mas, se a este “investimento” juntarmos outros gastos, porque de investimentos não podem ser chamados, feitos, sabe-se lá em nome de que interesses, nos inúmeros imóveis adquiridos, que ninguém quereria comprar, e hoje abandonados, e contratos celebrados em que o interesse público fica sempre a perder, ficamos com a ideia clara porque é que o município não acompanha o desenvolvimento dos nossos vizinhos e porque cada ano que passa, mais atrasado fica.

É nesta constante mudança de opinião, própria de quem não sabe para onde quer ir, que muda mais depressa que o vento da nossa costa, e que nos arrasta, a todos, para esta “apagada e vil tristeza”, em que o município encontra que se pode enquadrar a história do Cineteatro de Ovar, numa linha de abandono parecida com a Casa das Artes de Esmoriz e outro património concelhio.

Se por um lado, não compreendemos, esta decisão do quero, posso e mando, sem ouvir ninguém, (o cidadão não pode ser um mero anónimo formador de multidão) mais incompreensível se torna a falta de sensibilidade do executivo em permanência para com a preservação do nosso património, património que não é da Câmara, mas de todos nós, constituindo-se o Regime de Proteção e Valorização do Património Cultural, por um lado, uma obrigação dos poderes públicos, e por outro, e este mais relevante, um dever de todos os cidadãos.

Se não se tem, por si só, capacidade criativa para se apresentar uma solução que preserve o Cineteatro, que se tenha pelo menos o bom senso de abrir a discussão à comunidade, na certeza de que muitos pensam melhor que apenas um.

Diz o povo e com propriedade que os erros da governação são sempre diretamente proporcionais à tolerância do povo, mas esta começa a estar esgotada.

Fica a reflexão.

* Vereadores da Câmara Municipal de Ovar.

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