A implementação do cheque-livro de 20 euros para jovens nascidos em 2005 e 2006, com o objetivo de fomentar a leitura e o acesso a livros é uma medida decorativa.
Por Diogo Fernandes Sousa *
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Se o programa, em teoria, pretende incentivar hábitos de leitura e, em simultâneo, apoiar as livrarias, o montante atribuído é um reflexo de uma visão limitadora e desfasada da realidade atual do mercado livreiro. Num contexto em que os preços dos livros têm subido devido a diversos fatores económicos, como a inflação e o custo crescente dos materiais, um apoio de 20 euros é, francamente, insuficiente para responder ao objetivo que o próprio programa enuncia.
A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) recomendou que o valor do cheque-livro fosse de 100 euros, uma quantia que consideram mais adequada para cobrir os custos de livros de qualidade e, ao mesmo tempo, permitir que os jovens façam uma seleção mais variada de leituras. A decisão de limitar o valor a apenas 20 euros, um valor cinco vezes inferior ao recomendado, representa uma medida simbólica e com pouco alcance prático.
O valor atual dificilmente permitirá que os jovens adquiram mais do que um único livro uma vez que, em média, um livro em Portugal custa entre 15 a 20 euros, e as edições mais procuradas, especialmente nas áreas da literatura ou ciências sociais, facilmente ultrapassam este valor. Assim, um cheque-livro de 20 euros limita a escolha dos jovens a um ou, no máximo, dois livros, desincentivando a aquisição de livros.
Outro ponto a considerar é a própria implementação tardia do programa. A proposta inicial foi feita pelo anterior Governo, mas a sua aplicação só agora se concretiza, devido a um atraso no desenvolvimento da plataforma digital necessária para a sua execução. Esta situação revela um desfasamento entre o planeamento e a execução das políticas culturais, refletindo uma certa falta de prioridade em relação a um programa que pretende promover um hábito fundamental para o desenvolvimento dos jovens.
Este apoio financeiro, em última análise, poderia ter um impacto positivo na dinamização do mercado editorial e na sustentabilidade das livrarias, mas o montante de 20 euros dificilmente cumpre esses objetivos. Em vez de proporcionar uma ajuda aos jovens para a compra de livros, o apoio reduzido desmotiva a procura real por material literário e representa, para as livrarias, uma medida quase irrelevante no apoio às vendas. Esta falta de apoio consistente pode resultar em mais uma oportunidade perdida de fortalecer o mercado livreiro, particularmente
o setor das pequenas livrarias, que frequentemente lutam para competir com grandes cadeias e vendas online.
Para que uma iniciativa como o cheque-livro tivesse o impacto desejado, era necessário que o Governo investisse de forma proporcional à importância da leitura como valor essencial da nossa sociedade. O montante de 4,4 milhões de euros destinado ao programa pelo Fundo de Fomento Cultural reflete-se, infelizmente, numa ajuda simbólica que dificilmente faz jus à importância da leitura.
Assim, o cheque-livro de 20 euros revela-se uma medida quase decorativa que, na prática, não contribui para os objetivos que diz perseguir e mantém a necessidade de uma estratégia cultural robusta, que encare a leitura e o acesso à cultura como um investimento essencial no desenvolvimento das gerações futuras e na construção de uma sociedade mais informada e participativa.
* Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”. Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget do Norte.
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