A atenção pública desviou-se recentemente daquilo que consiste nas reivindicações dos professores para as suas formas de demonstração de descontentamento e o dez de junho acabou por dominar o debate com um acontecimento infeliz.
Por Diogo Fernandes Sousa *
A verdade é que o cartaz que está a gerar polémica efetivamente poderia ser de melhor bom senso, posto que não é particularmente agradável de se ver, contudo importa relevar que falamos de uma caricatura, ou seja, um desenho de um personagem da vida real que procura enfatizar e exagerar as características da pessoa de uma forma humorística e, por isso mesmo, tem como objetivo dar que falar e chamar à atenção para um determinado tema ou uma determinada pessoa.
Neste sentido, não considero o cartaz como sendo racista e, também, não me parece que tenha sido esse o seu objetivo. Considero sim que o cartaz serviu conscientemente para divergir o debate e a atenção pública para uma questão diferente daquela que consiste na luta dos professores. Arrisco inclusivamente dizer que foi essa a intenção de António Costa quando decidiu fazer aquele trajeto a pé em vez de o fazer de carro pois faz, em situações similares, de carro e isso foi inclusive sugerido pela sua equipa de segurança para evitar aqueles constrangimentos.
Por isso mesmo acho que se deve voltar a centrar a atenção nas propostas que os sindicatos apresentam e na boa atitude demonstrada na carta aberta da FENPROF que apresenta vários pontos de atenção que devem ser tidos em conta para se perceber as diferenças entre o que o governo aprova e aquilo que pode verdadeiramente resolver os problemas dos docentes.
Assim, devemos voltar a chamar à atenção do que é importante para a classe docente e para a própria escola pública porque isso é o tema em cima da mesa e, portanto, reforçar as reivindicações que podem finalmente resultar no fim da contestação e das greves. Dessa forma, alerto, por exemplo, para o facto de que é necessário garantir que as escolas possuem todos os professores que correspondem às suas necessidades permanentes para evitar que os alunos fiquem sem professores desde o início do ano letivo, tal como aconteceu no presente ano.
Igualmente destaco algumas reivindicações como, por exemplo, a redução da carga burocrática dos professores que retira tempo útil de preparação de atividades letivas ou a eliminação de quotas na avaliação de desempenho que é uma das grandes injustiças pois obriga, face ao limite de vagas, a atribuição de uma classificação inferior à merecida pelo docente e, a grande reivindicação, da recuperação do tempo de serviço em falta, que é um período bastante significativo (2393 dias) e que tem um forte impacto na progressão e remuneração da carreira dos docentes com mais anos de atividade e na sua sequente reforma.
Concluindo, António Costa é um político hábil que conscientemente procurou levantar atenções das reivindicações dos docentes para um pormenor que de facto é menor em todo o descontentamento demonstrado pela classe docente. O desvio de atenção desta luta para uma questão de racismo é despropositado e serve apenas o interesse do governo em mascarar um problema social premente que continua sem resolução.
* Professor do Ensino Básico e Secundário.
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