A ASPEA não tem qualquer processo judicial contra o Programa de Apoio às Associações, mas sim um processo de intimação para consulta de documentos administrativos, que lhe foi negado durante 175 dias, e só permitido após notificação do Dr. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Por Joaquim Ramos Pinto *
As políticas de desenvolvimento local não funcionam eficazmente se os interesses dos cidadãos não integrarem os processos de decisão da governação. Infelizmente uma tradição de autoritarismo e uma cultura de obstrução dos atos cívicos continuam a ser barreiras difíceis de superar na busca do diálogo e da cooperação, não obstante, estas atitudes ficam cada vez mais isoladas e estão a mudar gradualmente.
A justiça, em qualquer circunstância, e, em especial, nos processos de convivência democrática, pressupõe princípios morais que exigem conduta justa, com respeito ao direito de cada cidadão e à equidade, manifestados em atos ou comportamentos. Assim, quando intervenções públicas de responsáveis políticos podem desvirtuar as ações cívicas, e de direito Constitucional, compete-nos sair em defesa da imagem e reputação institucional, e dos seus dirigentes.
Quando analisamos a “carta aberta”, recentemente divulgada e publicada, com o argumento de estarmos perante a “judicialização da política”, facilmente se pode constatar que o conteúdo da mesma está relacionado com outras questões que mais poderão ter a ver com a politização da justiça e dos atos administrativos, com intenções de desviar o foco dos problemas e aliviar as preocupações das pessoas implicadas.
Não gostaríamos de ouvir um dia que se está a judicializar a pobreza, quando o argumento de alguém, que está a ser julgado por acusação de roubo, é o de que roubava para comer.
Estaremos perante a judicialização da política quando se pretende que a justiça se pronuncie sobre atos políticos onde recaem dúvidas de ilegalidades administrativas, técnicas e políticas, ou quando possam existir indícios de abuso de poder? Ou quando as práticas do exercício político se sobrepõem aos direitos de uma sociedade democrática, dificultando os atos de cidadania e o acesso aos documentos administrativos?
No caso particular, referido na “carta aberta contra a judicialização da política em Aveiro”, quando a mesma refere “São processos contra tudo. … Contra o Programa de Apoio às Associações defendendo a sua gestão ilegal pela CMA e pelas associações. …” ficam dúvidas sobre o que esta expressão significa, podendo confundir os cidadãos e com margem para muitas interpretações. A ASPEA, como é do conhecimento público, sente-se afetada por esta expressão considerando necessário e oportuno manifestar o seu veemente protesto político, ético e democrático contra as declarações que possam confundir as pessoas e, em especial, os seus associados e voluntários, todas e todos aveirenses onde a associação atua desde 1995 com muito trabalho, ética e profissionalismo.
Esclarecemos que a ASPEA não tem qualquer processo judicial contra o Programa de Apoio às Associações, mas sim um processo de intimação para consulta de documentos administrativos, que lhe foi negado durante 175 dias, e só permitido após notificação do Dr. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
Por direito que assiste a todos os cidadãos, quando um órgão da administração pública não permite ou dificulta o acesso aos documentos administrativos, no prazo de 10 dias após o pedido, é possível pedir a intervenção do Tribunal Administrativo e Fiscal. Este direito, num Estado democrático, será judicialização da política, ou combate à obstrução do acesso à informação?
Queremos publicamente esclarecer que a ASPEA apresentou uma candidatura ao Programa Municipal de Apoio às Associações com data limite em 30 de abril de 2019. O Regulamento Municipal de Apoio às Associações, aprovado em Assembleia Municipal e publicado em Diário da República nº 14 de 21 de janeiro de 2019, determina no seu Artigo 19º Ponto 1: “As candidaturas serão analisadas por uma comissão designada anualmente pela Câmara Municipal e composta, em função da tipologia das entidades e das modalidades de apoio, pelo presidente ou pelo vereador do pelouro e por dois técnicos da Câmara Municipal, que deve apreciar e deliberar sobre as mesmas no prazo máximo de 60 dias a contar da data limite da sua apresentação, emitindo parecer relativamente à qualidade e ao interesse das candidaturas para o Município.”
No caso aqui exposto, a decisão foi tomada, após muita pressão pública, na reunião de Câmara nº 27 de 28/11/2019, passados 210 dias do prazo de entrega das candidaturas, quando deveria ter sido no prazo de 60 dias. Assim, e com a agravante de não ter sido permitida a consulta do processo, quando politicamente não se cumpre ou não se faz cumprir a Lei ou os Regulamentos, os responsáveis ficam sujeitos, segundo a Lei Portuguesa, a um processo judicial. Então, poderá um responsável político confundir um processo judicial pelo incumprimento de deveres da administração com judicialização da política?
Poderá alguém entender que possa prevalecer uma decisão política para o não cumprimento do Regulamento de Apoio às Associações e de não consulta dos processos, considerando-se estar por cima da Lei? E quando alguém é contrariado não entende que, numa sociedade democrática, estão claramente definidas as regras com instrumentos que enquadram a separações de poderes?
Denunciar irregularidades administrativas e opções políticas que possam colocar em causa direitos das pessoas ou do ambiente é um dever que assiste a todos os cidadãos sem que tenham de ser perseguidos e maltratados na praça pública. Na política não vale tudo e, por isso, num Estado Democrático, existem entidades reguladoras e fiscalizadoras quando o sistema político ou da administração não funciona.
A ASPEA esgotará todos os recursos para que sejam esclarecidas todas as dúvidas levantadas e para que seja feito o apuramento das verdades de processos com falta de transparência, que identifique ou que lhe façam chegar e se encontrem dentro do seu âmbito de atuação.
Como é possível um presidente de câmara no século XXI desconsiderar os cidadãos, quando apenas tentam lutar por direitos cívicos em resultado de terem visto esgotados todos os recursos disponíveis em primeira instância?
Que sociedade queremos construir perante a ignorância de todos aqueles que não querem reconhecer o poder dos cidadãos nem ver quantos reclamam em voz baixa porque não podem ou não querem ter exposição pública por receio pessoal, profissional ou familiar?
* Presidente da Associação Portuguesa de Educação Ambiental.
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