A excelência científica de hoje não se coaduna com a perfeição do recolhimento e da ética da Ciência Nobel de ontem.
Por Susana Galante-Oliveira*,*
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Em vários dos seus aspetos, a realidade atual da Carreira de Investigação Científica (CIC) ofusca a beleza e o encanto da investigação desenvolvida noutros tempos: rege-se por uma competitividade por vezes patológica, hostilizando alguns verdadeiros mestres com a metrificação da prosa, num Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) que, pese embora alguns (modestos) avanços, continua a estar assente na precariedade dos recursos humanos mais qualificados do país, anulando-lhes as chances de uma vida digna, com o mínimo de segurança e de igualdade, comprometendo-lhes o desempenho, a sucessão e a velhice.
Em Portugal, os investigadores científicos enfrentam desafios colossais, que afetam irremediavelmente o progresso da Ciência e a Inovação nacional. Entre os principais obstáculos está a manifesta falta de estratégia ao nível do financiamento: incerto e insuficiente, e absolutamente limitador da capacidade de conduzir investigação científica de excelência a longo termo. Acresce, ainda, a imoralidade de um sistema que impõe a dependência de subsídios e/ou contratos a termo à esmagadora maioria dos investigadores – vidas a prazo, subordinadas a candidaturas recorrentes a concursos escassos e altamente competitivos – fixando, assim, precariedade laboral, sem fim à vista pela adoção de instrumentos financeiros manifestamente limitados (e.g., DL57-NT, CEECind, FCT-Tenure) que nada resolvem, antes adiam.
Como se tal não fosse, por si só, desmotivador, ou mesmo desolador, a valorização insuficiente da CIC é igualmente crítica. De facto, a falta de reconhecimento, de incentivos e de oportunidades de progressão, quer dos precários (que vão trilhando o seu caminho na expectativa de um dia – quem sabe! – ingressar na, ou numa, carreira), quer de uma minoria de (“afortunados”) contratados sem termo, são também responsáveis pela contínua oferenda de talento nacional ao estrangeiro, na busca legítima pela estabilidade e pelo respeito.
Ocorrem-me, então, as palavras de um génio rebelde da primeira arte:
“ (…)
Vou dizendo sim à engrenagem
E ando muito deprimido;
É difícil encontrar quem o não esteja,
Quando o sistema nos consome e aleija.
Trincamos sempre o caroço
Mas já não saboreamos a cereja.”
(À Espera do Fim; Jorge Palma, 1991)
Na realidade, e já sem a Ciência como referência, muitas equipas aluem pela renúncia dos seus investigadores à situação insustentável a que as suas vidas (a prazo) estão sujeitas. E não será, certamente, de reforços paliativos que viverá a alegada Economia do Conhecimento: é necessário munir as entidades do SCTN de autonomia financeira, crucial para o planeamento estratégico e a implementação dos seus projetos científicos no longo prazo, sem a constante incerteza da disponibilidade de financiamento. Só com recursos próprios é que Universidades e Politécnicos, Centros Tecnológicos, Laboratórios Associados e Laboratórios Colaborativos, Unidades de I&D e outras entidades científicas e tecnológicas, poderão investir em infraestrutura, atrair e reter talento, e promover a colaboração interdisciplinar e internacional, e a transferência de conhecimento e inovação para a sociedade. Além disso, a independência financeira permitirá uma maior flexibilidade e agilidade na resposta a desafios emergentes e oportunidades imprevistas.
É essencial passar a fomentar um ambiente de investigação robusto, onde a qualidade e a relevância da Ciência sejam priorizadas. Sem autonomia, as entidades do SCTN ficarão eternamente sujeitas a limitações que comprometem inevitavelmente a continuidade e a sustentabilidade dos seus esforços, impedindo o pleno desenvolvimento do potencial científico do país.
* Investigadora CESAM & DBio. Vogal da Comissão Executiva do DBio. Membro do Conselho Geral da UA. Artigo publicado originalmente em UA.pt.
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