Camponeses e agricultores familiares depois do 25 de Abril

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Livro.

O livro “O Desbravar dos Caminhos” da autoria de Vasco Paiva, a apresentar em Aveiro a 21 de abril, abre para um horizonte ainda oculto e quase desconhecido: as lutas, os movimentos e as organizações das famílias agricultoras, a norte do Tejo, nos primeiros anos (1974/78) da democratização do país, depois do 25 de Abril.

Por Fernando Oliveira Baptista *

É um texto que, como é bem vincado logo nas primeiras páginas, decorre da vivência do seu Autor no sector do “trabalho camponês” do Partido Comunista Português, tanto a nível nacional, como, em especial, nas Beiras. O seu empenho no trabalho com a agricultura familiar era, de resto, já anterior a Abril de 1974, tendo, ainda nos anos do Estado Novo acompanhado, na clandestinidade, as lutas que ocorreram na região da bacia do rio Vouga e das quais lhe devemos um excelente relato e análises muito esclarecedoras.

Na organização do livro consideram-se dois grandes grupos de associações de agricultores: as de carácter económico (cooperativas e baldios) e as de natureza socioprofissional, onde se distinguem ainda as que se dedicam a objetivos específicos (lutas pela terra – extinção dos foros, arrendamento rural, colónia (Madeira), recuperação dos direitos sobre os baldios – e por uma melhor previdência rural) e as que visam uma representação genérica dos interesses dos agricultores, nomeadamente em questões relacionados com o mer-cado, com o acesso às políticas públicas e ao crédito. A vitalidade de todo este conjunto de organizações conduziu, no final de 1977, à constituição da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que deveria conjugar todos estes esforços e atuar como “porta voz junto dos órgãos de poder” dos interesses e direitos dos agricultores familiares.

Da leitura do livro, ressalta com nitidez o modo como se foram tecendo todas estas iniciativas e as lutas que delas decorreram: os problemas e as dificuldades das famílias nas vilas, aldeias e lugares; a proximidade dos “ativistas” com estas situações; a interação destes com elementos locais; o apoio na formalização e organização de lutas e iniciativas. Era toda uma teia, em que os pormenores contavam, respeitando a autonomia dos agricultores e assegurando que estes detivessem o comando e o controlo das lutas e organizações.

Desenvolveram-se, assim, lutas e organizações com grande expressão territorial, com maior incidência nas zonas “mais produtivas”, ou seja, nas manchas com economias agrícolas mais fortes e, geralmente, em torno de aspetos estruturais (terra, previdência rural) e de produtos centrais na relação das explorações agrícolas com o mercado. É uma constatação que acompanha o que normalmente se passa – como é bem conhecido – com as lutas e associações de camponeses ou de agricultores familiares. Para além destes aspetos genéricos, o livro suscita outras questões, de que se destacam as especificidades das lutas e a autonomia dos agricultores familiares.

Vai ficando claro ao longo do texto que as lutas por objetivos específicos e reconhecidos pelos agricultores como do seu interesse foram as mais mobilizadores e as mais eficazes para alcançarem os objetivos que se propunham. Pelo contrário, nos posicionamentos mais gerais e amplos há, normalmente, pelo menos de modo implícito, formulações em que os agricultores não se reconhecem, a que ainda acrescem, com frequência, cronologias e discursos que pretendem associá-los a organizações ou partidos políticos, com que também não se identificam. Este tema associa-se, assim, à questão da autonomia dos agricultores e das suas associações. Estes têm, de facto, de gerir e decidir os seus objetivos e os modos de os conseguirem, com independência e autonomia. Nesta opção, claramente defendida no livro e aplicada no apoio à organização e iniciativas dos agricultores familiares, assenta seguramente, nos anos 1974/78, a grande expansão do movimento dos agricultores familiares e o sucesso de muitas das suas lutas.

É uma via que privilegia, e bem, o primado do movimento social. De facto, relativamente a camponeses e agricultores familiares, a tentação de instrumentalizar politicamente as suas lutas tem-se revelado inviável no imediato, e devastadora a médio e longo prazo, ao gerar uma desconfiança e uma retração que muito dificultam qualquer atividade com o movimento dos agricultores. Não faltam, desde os inícios do século XX, situações e acontecimentos que o confirmam. “O Desbravar dos Caminhos” é um livro fundamentado e importante, tanto pelo horizonte que revela, do panorama das associações e lutas dos agricultores familiares nos anos 1974/78, como pelos ensinamentos que evidencia sobre a autonomia e independência das organizações e lutas no mundo da agricultura familiar.

* Engenheiro agrónomo, foi ministro da Agricultura e Pescas entre 26 de março e 19 de setembro de 1975. Prefácio de  “O Desbravar dos Caminhos”.

Mais informações sobre “O Desbravar dos Caminhos”

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