Na campanha para as eleições do passado dia 30 de Janeiro o vencedor Partido Socialista incluiu no programa a proposta de “Promover um amplo debate nacional e na concertação social sobre novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho, incluindo a ponderação de aplicabilidade de experiências como a semana de quatro dias em diferentes setores” (p. 67). Naturalmente que a ideia dominou as atenções, com os eleitores a sonhar com mais 52 “feriados” por ano. Qual a viabilidade da sugestão?
Por João César das Neves *
A sucessiva redução do tempo de trabalho é uma realidade no Ocidente há 200 anos, manifestando, junto com aumentos salariais e melhoria nas condições laborais, a espantosa subida da produtividade por trabalhador, conseguida graças aos investimentos e avanços técnicos das sucessivas revoluções industriais.
Em Portugal, por exemplo, o número médio de horas anuais efetivamente trabalhadas desceu, segundo a OCDE, de 1963 por trabalhador em 1970 para 1745 horas em 2019, uma queda de 11% em 50 anos. Considerando 48 semanas úteis por ano, a evolução significou uma redução de 41 para 36 horas por semana em média.
Só que Portugal é dos países da União que mais trabalha e menos reduziu esse montante no último meio-século, traduzindo a famigerada baixa produtividade dos trabalhadores nacionais. Esta resulta, não da má qualidade das pessoas, mas de um dos traços mais evidentes e menos discutidos da nossa realidade económica.
Sucessivas décadas de endividamento, baixa poupança, promoção política de consumo e graves erros bancários na concessão de crédito, manifestam-se numa profunda descapitalização do aparelho produtivo, a juntar à baixa qualificação e capacidade de gestão. Ora, como se disse, a única forma de subir a produtividade laboral é através dos investimentos e avanços técnicos das sucessivas revoluções industriais. Mas estes há muito que por cá estão ausentes do debate nacional, até porque “grande capital” continua a ser insulto na retórica lusitana.
Esta redução das horas trabalhadas é uma condição necessária, mas não suficiente para a redução da semana laboral. Essa outra evolução seguiu uma história paralela, mas diferente. Foi o Deus da Bíblia quem, já na Antiguidade, instituiu a semana de trabalho de seis dias, que a expansão do Cristianismo e do Islão divulgou por todo o mundo. Apesar do enorme progresso referido, só na segunda metade do século XX se verificou a primeira alteração à regra, com o aparecimento da chamada “semana inglesa” eliminando o trabalho na tarde de sábado.
Posteriormente o ócio estendeu-se à manhã desse dia, nascendo assim o fim-de-semana de dois dias que hoje conhecemos. Apesar do horário diário ter continuado a descer sucessivamente, os cinco dias por semana tem-se mantido. No entanto, a ideia de reduzir para quatro os dias de trabalho circula há bastante tempo nas declarações de cientistas, políticos e reformadores. Em alguns casos, surge mesmo como panaceia geral para os males sociais, decaindo então para dogma ideológico.
Um dos argumentos mais utilizados é que a medida geraria um aumento na produtividade horária do trabalhador, por simples resultado mecânico: descer o trabalho mantendo o capital aumenta o capital disponível por trabalhador. Mas, como essa subida de produção por hora será compensada pela descida das horas, cada funcionário deve produzir menos.
Para alguns a solução é a robotização, enquanto outros asseguram que o aumento do ócio irá promover expansão nos sectores de lazer, esquecendo que a produção destes terá de descer, pois os seus trabalhadores também estarão a descansar. Por outro lado, para evitar problemas de coordenação, seria necessário que a medida seja aplicada a toda a economia ao mesmo tempo. De outra forma as atividades que se mantenham a operar sofrerão graves contratempos nos seus contactos com fornecedores e clientes encerrados.
A conclusão é necessariamente ambígua. A medida justifica-se pela sucessiva redução do esforço laboral gerada pelo progresso, até porque foi já há muito que a semana de trabalho teve o seu ajustamento para cinco dias. Por outro lado, ela levanta significativas dificuldades operacionais. De qualquer maneira, será difícil evitar uma queda de produto, com uma descida de labuta que pode chegar a 20%.
Em qualquer caso, esta discussão só é adequada em países que tenham levado a sério o seu desenvolvimento. Por cá, com baixos salários e produtividade, e com a discussão económica centrada em subsídios, impostos, regulamentos e pensões, omitindo o investimento produtivo e a competitividade, um tema destes não passa de mera especulação retórica.
Isso viu-se bem no dia 4 de Junho, quando o senhor Primeiro-ministro apelou publicamente às empresas para aumentarem os salários médios em 20% na legislatura. Não sabemos se o governante compreende a incongruência deste novo objetivo com o indicado no programa; mas pretender, ao mesmo tempo, subir salário e reduzir trabalho é brincar à semana de quatro dias.
* Economista e professor catedrático. Artigo publicado originalmente no site Linktoleaders.com.
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