Bolsonaro defende que os problemas estruturais do Brasil, principalmente o da desigualdade económica, se resolvem com a esterilização de pobres.
João Moniz *
Dia 28 de outubro foi um dia negro para o Brasil e para a democracia Brasileira. Não tenhamos pudor e chamemos as coisas pelos nomes: foi o dia dos carrascos e foi eleito um fascista, com um programa de retrocesso nos direitos sociais, civis e políticos, sem paralelo.
A vitória de Bolsonaro foi o culminar do processo do golpe contra Dilma Rousseff. Um processo obscuro, encabeçado por um gang organizado de corruptos, como Eduardo Cunha e Michel Temer, e amplamente propagandizado pela Rede Globo, em nome do combate à corrupção contra uma presidente sob a qual não recaía qualquer acusação. O objetivo era claro: retirar o Partido dos Trabalhadores do poder, não olhando a meios para encetar um programa de liberalização da economia.
Previsivelmente, estes carrascos da democracia, que engendraram o golpe judicial criaram as condições perfeitas para um demagogo fascista como Bolsonaro florescer, sendo que os próprios foram destruídos pela barbárie que criaram.
Bolsonaro defende que os problemas estruturais do Brasil, principalmente o da desigualdade económica, se resolvem com a esterilização de pobres. Para garantir a segurança, Bolsonaro pretende armar a população de bem (diga-se, os seus apoiantes) para combater a insegurança. Bolsonaro vai dar carta branca aos carrascos, àqueles que há quase 8 meses executaram brutalmente Marielle Franco, a ativista dos direitos humanos e vereadora eleita no Rio de Janeiro, pelo Partido Socialismo e Liberdade. Uma mulher negra, favelada e lésbica.
A receita de Bolsonaro para a economia é acelerar a política de cortes e privatizações do governo de Temer, sob o comando de Paulo Guedes, um ultra-liberal de inspiração Pinochet e que cuja escolha acalmou imediatamente o capital internacional. Paulo Guedes, o homem que foi recentemente acusado de fraude, no âmbito da gestão de fundos de pensão, tem como objetivo a privatização total de todas as empresas estatais. Este programa irá apenas exacerbar ainda mais as clivagens sociais do país o que, consequentemente, resultará na agudização do clima de insegurança.
No plano dos direitos civis e políticos, Bolsonaro não terá quaisquer rodeios. Em declarações públicas, Bolsonaro ameaçou princípios básicos de qualquer democracia, como a liberdade de imprensa. A democracia brasileira é relativamente recente e encontra-se fragilizada com o processo de golpe contra Dilma Rousseff, descredibilizada com os sucessivos escândalos de corrupção e com um poder judiciário altamente politizado. Adicionalmente, a arquitetura institucional da democracia do pais, com os seus incentivos à formação de coligações legislativas, será especialmente vulnerável a um político autoritário como Bolsonaro, o que facilmente o inclinará a aplicar métodos para-constitucionais e antidemocráticos, por forma a consolidar o seu poder.
Sabemos que a bandeira principal de toda a campanha foi o combate à corrupção. No entanto, Bolsonaro é uma figura do establishment político, com carreira de várias décadas. O próprio admitiu que o seu partido recebia subornos e que também ele fugia aos impostos. A sua campanha nas redes sociais foi financiada, ilegalmente, por várias empresas brasileiras. Sejamos claros: Bolsonaro não é nenhum paladino numa missão de limpar a política da corrupção – ele próprio foi, e continuará a ser, agente ativo na corrupção.
Testemunharemos uma transformação qualitativa do aparelho repressivo do estado brasileiro e a uma transformação quantitativa do programa liberal do governo de Temer. Se, por um lado, vamos assistir a uma degradação brutal dos direitos sociais, civis e políticos, por outro, e complementarmente, vamos assistir à continuação e aceleração de processo de acumulação de riqueza para a elite económica do Brasil.
A vitória de Bolsonaro representa mais um episódio no afrouxamento da Onda Rosa na América Latina e é mais um passo na longa marcha do fascismo, um pouco por todo o planeta.
Em suma, o programa de Bolsonaro é o saudosismo pela ditadura militar e pelos tempos tenebrosos da bota cardada e da tortura, em que os pobres e os trabalhadores, os negros, as mulheres e as pessoas LGBT sabiam o seu lugar e não reclamavam por direitos ou reconhecimento; pelos tempos onde a perseguição de adversários políticos, jornalistas e minorias era a ordem do dia.
O Brasil entrou no tempo dos carrascos, há que ser solidário com a resistência.
* Bolseiro de Doutoramento, membro do Bloco de Esquerda de Aveiro.