A bicicleta pode e deve ser um modo de transporte de massas. Estratégia Nacional precisa urgentemente de liderança política e de recursos. A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 inicia o seu quinto ano de implementação, condenada a falhar largamente as metas intercalares para 2025 e com os objectivos finais seriamente comprometidos. É urgente que o Governo crie a capacidade organizacional, qualifique e articule organismos do Estado e destine meios humanos e orçamentais proporcionais às metas da Estratégia.
Por Vera Diogo *
A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 (ENMAC 2020-2030) entra a 2 de Agosto no seu quinto ano de implementação. Aprovada em 2019 por resolução do Conselho de Ministros, a ENMAC 2020-2030 tem por objectivo a convergência da utilização da bicicleta como modo de transporte em Portugal com a média do resto da Europa. Daqui a dois anos, em 2025, 3% das deslocações em todo o território nacional, e 4% nas cidades, deveriam ser feitas em bicicleta, aumentando para 7,5% e 10%, respectivamente, até 2030. No final da década, deverá haver mais de meio milhão de ciclistas quotidianos em Portugal, perfazendo mais de 300 milhões de viagens em bicicleta por ano. Como comparação, os Metros de Lisboa e do Porto transportaram em 2019, antes da pandemia, aproximadamente 250 milhões de passageiros em conjunto.
Contudo, a ENMAC continua sem liderança política, sem recursos e a progredir a um ritmo extremamente lento. A Estratégia vai falhar largamente as metas intercalares para 2025, e estão seriamente comprometidas as metas finais para 2030. Ao ritmo de transferência modal para a bicicleta da última década, seriam precisos 700 anos para cumprir as metas da ENMAC para 2030!
A MUBi apela ao Ministério do Ambiente e da Acção Climática, em particular, que tutela a área da mobilidade urbana, para que lidere efectivamente a execução da ENMAC 2020-2030. É fundamental que todas as áreas governativas envolvidas na Estratégia, desde a educação à administração interna, passando pelas infraestruturas e finanças, entre outras, sejam efectivamente participantes e trabalhem em uníssono para os objetivos de mobilidade sustentável. Urge que o Governo desenvolva a capacidade organizacional e comece a articular-se com as administrações locais. É preciso que crie programas de capacitação das entidades responsáveis pelas medidas da ENMAC, de outros organismos do Estado e das autarquias para a mudança do paradigma da mobilidade. Para tal, é manifestamente imperioso que o Governo destine urgentemente os recursos humanos e financeiros necessários à execução das suas 51 medidas com vista às metas da ENMAC.
Recentemente, a Assembleia da República, com uma expressiva maioria de mais de 90% dos votos favoráveis, instou o Governo a que aumente substancialmente os recursos humanos e orçamentais para a implementação da ENMAC 2020-2030. Esta foi a quarta vez, nos últimos três anos, que os deputados que os portugueses elegeram exortaram o Governo a destinar meios para acelerar a execução da ENMAC e a prossecução das suas metas.
A bicicleta é um meio de transporte saudável, económico e inclusivo. É, também, o modo energeticamente mais eficiente e, a seguir ao caminhar, o que menos emissões produz. Consome pouco espaço nas cidades e aumenta a área de alcance dos transportes públicos. Quando substitui viagens em automóvel, contribui para a redução dos níveis de poluição do ar, bem como da poluição sonora e para a descarbonização dos transportes. A bicicleta eléctrica é um elemento transformador na mobilidade urbana, que veio democratizar o uso da bicicleta, removendo barreiras e ampliando o leque de potenciais utilizadores. Acresce que as baterias destes velocípedes precisam apenas de uma centésima parte da quantidade de lítio que as baterias dos automóveis eléctricos. A bicicleta cria, ainda, empregos verdes, sendo Portugal o maior produtor de bicicletas da Europa.
Por isso tudo, a bicicleta deve ser um pilar das políticas de mobilidade e um elemento estratégico para uma transição ecológica justa. Os portugueses tem o direito a ter as mesmas condições de conforto e segurança que as pessoas no resto da Europa para poder deslocar-se em bicicleta, poupando a saúde, o meio ambiente e a carteira.
O Governo português é o que menos tem investido na utilização da bicicleta em toda a Europa. Na República da Irlanda, por exemplo, com metade da população portuguesa, o Governo decidiu investir 1 milhão de euros por dia (360 milhões por ano) na mobilidade activa – o mesmo que em Portugal o Orçamento do Estado para 2023 destinou às estratégias nacionais para os modos activos para um ano inteiro. O Governo francês anunciou que vai investir 2 mil milhões de euros nos próximos quatros anos, a que se somam 4 mil milhões das administrações locais e regionais, totalizando mais de 22 euros por ano per capita, para impulsionar o uso da bicicleta no país.
Na Europa, cada quilómetro percorrido de automóvel acarreta um custo externo para a sociedade de 0,11 euros, ao passo que andar de bicicleta e a pé representa benefícios de 0,18 e 0,37 euros por quilómetro. Extrapolado para o número total de quilómetros percorridos por passageiros, de carro, de bicicleta ou a pé na União Europeia, o custo da mobilidade automóvel é de cerca de 500 mil milhões de euros por ano. Devido aos efeitos positivos na saúde, andar de bicicleta representa um benefício externo no valor de 24 mil milhões de euros por ano e andar a pé 66 mil milhões de euros por ano[6].
Perante a emergência climática e todos os benefícios sociais e ambientais da mobilidade activa, fazer da bicicleta um modo de transporte de massas é uma necessidade evolucionária. Não podemos esperar 700 anos, o Governo não pode continuar a procrastinar e a protelar a implementação da Estratégia Nacional.
* Presidente da MUBi – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta.
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