Aveiro: uma farsa chamada Orçamento Participativo

5831
Edifício da Assembleia Municipal de Aveiro.

Mais do que uma trapalhada política, este “Orçamento Participativo” é uma farsa, armadilhada em todos os pontos-chave da sua construção.

Por Filipe Guerra *

A maioria PSD/CDS colocou em marcha o “Orçamento Participativo com Ação direta do Município de Aveiro”. Um curioso processo que vale a pena ler, para rir ou lamentar, e denunciar.

A “proposta”, como sempre que se fala de “orçamento participativo”, começa com a costumeira bonomia de carta de intenções sobre a “participação”, o “diálogo”, as “preocupações”, não se coibindo até de citar a Constituição.

Pela pena da mesma Câmara Municipal que sempre viveu de costas voltadas para os munícipes(tirando os dias de foguetório), e que acusa de tudo e do seu contrário, os que divergem ou se lhe opõem em alguma intenção(vide Projeto para o Rossio), aparece agora arrogando-se precisamente do contrário da sua prática. Mas a mentira tem perna curta.

Os orçamentos participativos no país, nos diversos modelos postos em prática, têm duas distinções em geral: a primeira e fundamental, na grandeza dos valores alocados, e uma segunda distinção sobre o processo de decisão(auscultação ou votação).

No caso de Aveiro, seguiu-se e juntou-se pelo pior das duas: alocou-se um valor irrisório de €100.000(já com IVA!) e optou-se pela decisão por votação.

O valor alocado(incluindo IVA!) não permite qualquer obra de monta e naturalmente assim não incentivando a participação popular. Por outro lado, como a experiência autárquica comprova, a decisão por votação permite a vitória a projetos, não pelo seu interesse comunitário ou mérito próprio, mas pelo seu apoio por grupos de pressão particularmente organizados e fortes.

Se este projeto até aqui já se apresenta torto, o melhor é mesmo o seu financiamento. Segundo o documento aprovado, “as propostas ficam habilitadas a um apoio financeiro que pode comparticipar até ao máximo de 2/3(dois terços) dos custos totais do projeto, sendo o remanescente financiado pelo proponente”.

Ou seja, o cidadão que apresente uma proposta e tenha o seu projeto aprovado ainda vai ter de meter pernas a caminho para arranjar o financiamento restante(até €33.333). Mais, logo na apresentação da proposta tem de apresentar as garantias deste valor pessoalmente.

Não contente neste absurdo, a maioria PSD/CDS de Ribau Esteves consegue ainda escavar mais fundo. Ainda na proposta, se o cidadão proponente não tiver dinheiro, pode por exemplo ir trabalhar para a obra na modalidade prevista de “trabalho cedido”, a valorar logo na proposta.

Ou seja, se o projeto for de €100.000, e o “trabalho cedido” for correspondente a €33.333, como o prazo de execução é de apenas 6 meses, é mesmo melhor que o munícipe seja bom de braços, porque o seu trabalho terá de valer €5.500/mês…

Concluindo, mais do que uma trapalhada política, este “Orçamento Participativo” é uma farsa, armadilhada em todos os pontos-chave da sua construção.

Contrariando a maioria PSD/CDS(nisto apoiada pelo PS no Executivo), o Partido Comunista Português não participa em nada disto, e pelo contrário, apela à atenção dos aveirense a este e outros processos que visam encobrir as opções de uma maioria cega, surda e muitas vezes muda para a participação popular e para a resolução dos verdadeiros problemas dos aveirenses.

Filipe Guerra.

* Jurista, vogal do PCP na Assembleia Municipal.

Publicidade, Serviços & Donativos