Neste momento em Portugal, já mais de 2/3 da população se encontra a habitar a estreita faixa costeira do litoral do país. É neste contexto especial que se insere Aveiro e a Região da Ria, cabendo um papel importante à nossa cidade e município, no que respeita à necessidade de liderar uma estratégia de descarbonização da economia que tenha impacto a nível nacional e influencie positivamente o resto do mundo.
Por João Almeida *
Vivemos tempos excecionais. A humanidade está perto de atingir o ponto de não retorno em termos climáticos, o que significa que se continuarmos na rota em que nos encontramos, há alterações nefastas que se tornarão irreversíveis [1]. Para limitarmos a subida de temperatura a 1.5ºC relativamente aos níveis pré-industriais, precisamos de reduzir todos os anos as emissões globais em cerca de 8% até 2030. Esta é aproximadamente a queda estimada para 2020 em resultado da pandemia covid-19 [2].
Não podemos ter uma quebra na atividade económica tão grande como a deste ano durante todos os anos da próxima década, por isso a única alternativa que nos resta é um reforço dos compromissos estabelecidos (precisamos de 5 vezes mais ambição do que o estabelecido pelos Planos de Ação Climática nacionais em todo o mundo [3]) e passar efetivamente das palavras aos atos.
O esforço de redução de emissões a nível mundial não pode ser distribuído de forma cega, cabendo aos países mais desenvolvidos e com maiores recursos financeiros contribuir de forma mais significativa para a diminuição dos gases com efeito de estufa lançados para a atmosfera. Isto significa que países como Portugal terão de reduzir as suas emissões a uma taxa superior a 10% anualmente, para que países de África e da América Latina por exemplo, possam ter um contributo mais proporcional ao seu grau de desenvolvimento económico.
Para além desta responsabilidade acrescida dos países mais desenvolvidos, as cidades com maior concentração populacional desempenharão um papel decisivo no combate às alterações climáticas, visto que as estimativas apontam para mais de 2/3 da população mundial a residir em zonas urbanas em 2050. Por este motivo, 96 mega-cidades do mundo fazem já parte da rede C40 Cities, colaborando ativamente para aumentar a ação climática e partilhar conhecimento e experiência acumulada, fatores fundamentais para acelerar esta transição.
Neste momento em Portugal, já mais de 2/3 da população se encontra a habitar a estreita faixa costeira do litoral do país. É neste contexto especial que se insere Aveiro e a Região da Ria, cabendo um papel importante à nossa cidade e município, no que respeita à necessidade de liderar uma estratégia de descarbonização da economia que tenha impacto a nível nacional e influencie positivamente o resto do mundo.
Esta estratégia tem que assentar num plano com objetivos claramente definidos. O que o PAN propõe é um Roteiro para a Neutralidade Carbónica Municipal que tenha como meta o equilíbrio entre as emissões e o sequestro de carbono no município até 2040, em linha com os esforços necessários para limitar a temperatura a 1.5ºC e com a solidariedade necessária para com as regiões mais desfavorecidas do globo.
Ao nível do diagnóstico da situação atual, a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro já deu um passo positivo, tendo os 11 concelhos da região aderido ao projeto da Pegada Ecológica dos Municípios Portugueses [4], o qual inclui o diagnóstico da Pegada Carbónica como uma das principais componentes. No entanto, é necessário conhecer ao detalhe os setores que mais contribuem para o cenário de emissões vigente e construir um sistema de monitorização que permita realizar de forma recorrente um ponto de situação e avaliar a eficácia das medidas a implementar.
Mas é precisamente no plano e nas medidas que estamos mais atrasados, não existindo qualquer tipo de estratégia no município nem sequer vontade conhecida para a elaborar. Ao contrário de Lisboa que pertence à rede C40 Cities ou do Porto, Guimarães e Braga que fazem parte do Fórum Ambiente da rede EUROCITIES, com alguns objetivos para a descarbonização dos seus municípios, de Aveiro não se conhece qualquer meta a atingir neste domínio.
´Roteiro para a Neutralidade Carbónica Municipal
Em paralelo com a realização do diagnóstico, é preciso ir construindo o Roteiro para a Neutralidade Carbónica Municipal, com medidas ambiciosas e já em fase de implementação em muitas outras cidades europeias e mundiais. É preciso focar nos setores mais poluentes do município, ao nível da energia, transportes, resíduos e alimentação, ao mesmo tempo que cuidamos dos diferentes usos do solo do nosso município, incluindo as florestas, sapais e pradarias marinhas, também pelo contributo que estes podem dar para o sequestro de carbono.
Este Roteiro não pode esquecer a participação e o envolvimento dos cidadãos, associações, empresas e outras organizações da sociedade civil, sendo um excelente exemplo das sinergias necessárias entre o setor público e privado, o Pacto de Mobilidade Empresarial estabelecido pelo município de Lisboa e as empresas do concelho [5].
Este artigo foca-se na necessidade urgente de estabelecer uma visão para o futuro sustentável de Aveiro, que passa necessariamente por uma descarbonização da economia com vista à neutralidade carbónica em 2040. Mais recomendações e contributos do PAN em termos de medidas específicas para os diferentes setores serão apresentados em artigos futuros.
P.S. Para quem se interessar por este tema, para além das referências no texto, sugiro a audição de dois episódios de podcasts diferentes. Um em português (“Alterações climáticas e ambiente urbano”) do podcast Lá Fora Cá Dentro [6], numa conversa com Filipe Araújo, Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, com o Pelouro do Ambiente e Inovação. E outro em inglês (“Climate Transition”) do podcast Monocle 24: The Urbanist [7], numa conversa com Tomer Shalit, CEO da ClimateView (uma empresa de software que auxilia as cidades a planear e executar os seus planos de ação climática) e com Marika Palmér Rivera, responsável pelo Plano de Ação Climática de Uppsala, uma cidade de média dimensão da Suécia.
[1] Aengenheyster, Matthias, Qing Yi Feng, Frederick Van Der Ploeg, and Henk A. Dijkstra. “The Point of No Return for Climate Action: Effects of Climate Uncertainty and Risk Tolerance.” Earth System Dynamics 9, no. 3 (August, 2018): 1085-095.
[2] International Energy Agency, Global Energy Review 2020.
https://www.iea.org/reports/global-energy-review-2020
[3] United Nations Environment Programme, Emissions Gap Report 2019.
https://www.unenvironment.org/interactive/emissions-gap-report/2019/
[4] ZERO, Municípios da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro e Município de Barcelos vão calcular a sua pegada ecológica e biocapacidade, 24-11-2019.
https://zero.ong/municipios-da-comunidade-intermunicipal-da-regiao-de-aveiro-e-municipio-de-barcelos-vao-calcular-a-sua-pegada-ecologica-e-biocapacidade/
[5] Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, Pacto de Mobilidade Empresarial para a Cidade de Lisboa.
https://www.bcsdportugal.org/pacto-de-mobilidade-empresarial-para-a-cidade-de-lisboa
[6] Lá Fora Cá Dentro, #3 Filipe Araújo, Alterações climáticas e ambiente urbano. https://open.spotify.com/episode/2IoJ9diTwF7KJdxsraNZ4j
[7] Monocle 24: The Urbanist, Climate Transition. https://open.spotify.com/episode/20Yt4QppGi3uQxuGaFvfsj
* Membro da Comissão Política Concelhia do PAN – Pessoas – Animais – Natureza de Aveiro.