Aveiro / Jardim do Rossio: Carta Aberta ao Presidente da República

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Desenho do jardim do Rossio, Aveiro (autoria de Suzana Nobre).

Todas as tentativas de diálogo com o executivo camarário e demais entidades competentes para evitar esta grave afronta ao património arquitetónico, paisagístico e cultural da cidade de Aveiro se mostraram infrutíferas até a data.

Por Movimento Juntos pelo Rossio

Exmo. Senhor Presidente da República Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa

O presente apelo constitui um dever de cidadania e uma derradeira tentativa de evitar a destruição do mais emblemático e identitário jardim do centro da cidade de Aveiro, com a construção de um parque de estacionamento subterrâneo no âmbito do designado projeto de “Requalificação do Largo do Rossio e Praça General Humberto Delgado”. Após três anos de forte contestação e de uma profunda reflexão em torno deste projeto, de amplos setores da sociedade civil aveirense, em parte representados pela Associação Cívica “Movimento Juntos pelo Rossio”, de pouco valeram os contributos da discussão pública resultante deste processo, que culminou na sua aprovação pela Assembleia Municipal de Aveiro no dia 30 de julho de 2020. Esta deliberação, assim como a relativa à adjudicação deste projeto foram devidamente impugnadas, encontrando-se os respetivos processos judiciais ainda em curso.

Este projeto integra um conjunto de intervenções que levantam sérias preocupações pelos previsíveis impactos negativos e irreversíveis ao nível económico e social, ambiental, geotécnico e urbanístico.

A nível económico porque não foram realizados estudos do impacto que uma intervenção com estas características poderá gerar na manutenção dos negócios do comércio local, unidades de alojamento turístico e restauração, entre outros. A nível social porque irá descaracterizar um espaço que faz parte da memória coletiva da comunidade local e que se assume, desde há décadas, como um espaço verde urbano de grande valor simbólico e afetivo para a população local e visitantes, com múltiplos usos associados ao Bairro da Beira-Mar, gerando vivências que lhe imprimem uma dinâmica própria. O atual projeto de qualificação não tem em conta grande parte destes valores, não tendo sido considerados os vários contributos recolhidos em diferentes momentos de discussão pública.

Do ponto de vista ambiental porque o projeto apresentado para o Rossio prevê a completa devastação de todo o património arbóreo centenário existente, com a construção de um parque de estacionamento subterrâneo. A requalificação daquele espaço deveria ser reforçada como corredor ecológico em contexto urbano, e não implicar a perda irreversível das funções essenciais que deveria desempenhar, nomeadamente: de biodiversidade e metabolismo urbano, sumidouro de carbono, redução de poluentes atmosféricos e melhoria da qualidade do ar, sombra e barreira sonora, espaço de lazer, entre muitas outras.

A nível geotécnico, a construção de um parque subterrâneo em solos de baixa consistência e capacidade de carga, como é aqui o caso, comporta elevados riscos de estabilidade estrutural para o casario envolvente, incluindo edificações de elevado valor arquitetónico e patrimonial, como as de Arte Nova e de revestimento azulejar.

Em termos urbanísticos, o atual projeto para o Rossio demonstra a ausência de uma política e de uma estratégia de mobilidade sustentável e não está enquadrado nem no planeamento e ordenamento da cidade, nem na sua circulação rodoviária global, contrariando em grande medida aquelas que são as tendências mundiais e reconhecidas boas práticas de desenvolvimento sustentável de redução da presença e tráfego automóvel nos centros urbanos e a sua descarbonização, devolvendo estes espaços às populações, pela criação ou requalificação de espaços urbanos com capacidade de atrair e reter as pessoas pela sua qualidade paisagística, ambiental e de vivência quotidiana.

Todas as tentativas de diálogo com o executivo camarário e demais entidades competentes para evitar esta grave afronta ao património arquitetónico, paisagístico e cultural da cidade de Aveiro se mostraram infrutíferas até a data. Como exemplo dessas iniciativas, incluem-se as seguintes ações:

– Duas sessões públicas organizadas por um coletivo de associações e entidades sem fins lucrativos com duas centenas de participantes em cada uma, em que não houve uma única voz a favor do projeto à exceção da do próprio Presidente da Câmara de Aveiro.
– Duas manifestações, com pelo menos meio milhar de pessoas cada uma, onde se verificou in situ a rejeição popular ao projeto.
– Duas petições públicas, uma com mais de 3000 assinaturas, entre as quais 2573 online, e uma outra lançada anteriormente, com 1779 assinaturas online.
– Inúmeras participações de personalidades da cidade e de todos os quadrantes políticos nas Assembleias Municipais e Reuniões de Câmara.
– Publicação de múltiplos artigos na comunicação social local por vários cidadãos representativos das várias camadas da sociedade civil.
– Reuniões com diversas entidades do Estado, tais como Câmara Municipal de Aveiro, CCDR-C, Agência de Coesão e Desenvolvimento, Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, Universidade de Aveiro e uma denúncia ao Provedor da Justiça, nacional e europeu.
– Submissão de um pedido de classificação de interesse público do conjunto arbóreo do Jardim do Rossio ao ICNF, ainda em apreciação, não havendo, até a data, um despacho definitivo.

Devido ao perigo real para o edificado (algum dele classificado, incluindo 2 edifícios de Arte Nova) e para a integridade física dos moradores que constitui uma obra desta envergadura, feita em solos instáveis, com 30 metros de profundidade compostos por aluvião como atestam estudos geotécnicos, foram interpostas duas ações judiciais: uma ação judicial administrativa urgente e uma Providência Cautelar, ambas ainda sem decisão. Apesar de não haver um despacho do tribunal competente, o executivo camarário aveirense adjudicou a obra a um consórcio de empresas, encontrando-se atualmente a aguardar o visto pelo Tribunal de Contas.

O investimento de quase 12 milhões de euros, só por si, representaria num período normal pré-crise pandémica um custo desmesurado face a um projeto inútil, constituindo no período de grave crise social e económica que vivemos uma afronta à população do município, quando os recursos financeiros disponíveis deveriam estar integralmente direcionados para apoiar a comunidade local para o período de superação e retoma que se avizinha longo e difícil. Esta obra irá agravar ainda mais a atual situação de crise, como a que já se faz sentir com as obras da Avenida Dr. Lourenço Peixinho, que já resultou até a presente data no encerramento definitivo de pelo menos 6 estabelecimentos comerciais. Na nossa opinião, não existem quaisquer dúvidas que este projeto irá afetar irremediavelmente a restauração e comércio local de toda a zona do Bairro da Beira Mar, com a agravante de subtrair à cidade e aos seus habitantes e visitantes um espaço que faz parte da memória coletiva da cidade de Aveiro

O Movimento Juntos pelo Rossio vem, assim, apelar ao Senhor Presidente da República que nos conceda uma audiência de forma a que V. Exa possa contribuir no âmbito das suas competências em prol da defesa da sustentabilidade do território e de um património que é de todos, como é o Jardim do Rossio em Aveiro.

+ info em https://www.facebook.com/juntospelorossio

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