Avenida Europa (antiga EN 109), Aveiro.

A fusão destes dois concelhos não é apenas uma questão de eficiência administrativa. É uma necessidade estratégica para que a região volte a ter peso político, capacidade negocial e voz própria num país cada vez mais centralizado.

Por Francisco Albuquerque *

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Em Portugal, é habitual dizer-se que há demasiados municípios, demasiadas juntas de freguesia e demasiado desperdício na gestão autárquica. Em muitos casos, as fronteiras administrativas não refletem as necessidades atuais dos territórios e acabam por prejudicar a população, duplicando esforços e aumentando despesas. Um bom exemplo do potencial que poderia existir com uma gestão mais otimizada é a possível fusão dos municípios de Aveiro e Ílhavo.

Estes dois municípios vizinhos, unidos geográfica, cultural e economicamente, poderiam perfeitamente transformar-se num único município com mais de 120 mil habitantes, colocando Aveiro entre os dez maiores concelhos do país. Já foram, aliás, um só concelho até 1898. Hoje, são praticamente uma única área urbana funcional, interdependente, que cresce em todas as direções. A fragmentação só atrasa. Ainda assim, seria consideravelmente mais pequeno (em área) do que Coimbra, Leiria ou Viseu, o que só reforça o quão desajustado está o atual mapa autárquico. A verdade é que Aveiro e Ílhavo separados fazem tanto sentido como se as duas margens de Coimbra fossem municípios distintos – Coimbra de um lado, Santa Clara do outro. A fragmentação já não serve a realidade urbana e social do presente.

Com a fusão, surgiria um território mais competitivo, capaz de ombrear com cidades médias como Braga ou Coimbra, reclamando com mais força a atenção do Governo Central e da União Europeia. No curto prazo, eliminar-se-iam redundâncias administrativas e políticas. No médio prazo, desbloquear-se-iam projetos estruturantes hoje adiados por falta de visão partilhada – como a ligação do PCI à Rua da Pêga ou uma estratégia conjunta para mobilidade, habitação, sustentabilidade e regeneração urbana. E, a longo prazo, criava-se uma unidade territorial robusta, com massa crítica, capacidade negocial e planeamento verdadeiramente integrado. Esta fusão é também, cada vez mais, uma questão de voz e influência regional.

Aveiro e Ílhavo continuam a perder espaço político e capacidade de afirmação perante outras regiões mais coesas e estrategicamente organizadas. Do Norte, surgem exemplos claros: a ULS Entre Douro e Vouga procura expandir-se à custa da ULS da Região de Aveiro, centralizando recursos e competências em cidades como Espinho, Santa Maria da Feira ou Oliveira de Azeméis. A própria Linha do Vouga, no seu troço norte, foi recentemente integrada no passe Andante, beneficiando os concelhos sob influência do Porto, enquanto o restante troço – que serve Aveiro – permanece esquecido.

Do Sul, a construção de residências universitárias com financiamento estatal avança em Coimbra e Viseu, enquanto em Aveiro os anúncios tardam. Até a histórica Escola Vitivinícola de Anadia, símbolo da identidade produtiva regional, foi absorvida pelo Politécnico de Coimbra. De Viseu, chegam grupos económicos como a Visabeira, que são basicamente proprietárias dos terrenos em redor do Estádio Municipal de Aveiro… para nada fazerem. Esta paralisia deliberada serve apenas para manter a região fragilizada, dependente e sem capacidade de afirmação.

Em termos práticos, a sede do novo município seria naturalmente em Aveiro. A atual freguesia de São Salvador poderia passar a ser a Freguesia de Ílhavo, mantendo-se também as freguesias da Gafanha da Nazaré e Gafanha da Encarnação – esta última absorvendo a diminuta Gafanha do Carmo, que, com apenas 1600 habitantes, dificilmente justifica a sua manutenção como freguesia independente. Também em Aveiro haveria espaço para mais racionalização: São Jacinto, com cerca de 700 habitantes, poderá e deverá ser integrada na freguesia da Glória e Vera Cruz ou na futura freguesia da Gafanha da Nazaré, resultado da junção com Ílhavo.

Este é o tipo de reorganização que deve ser discutido abertamente, sobretudo agora que se aproxima a revisão obrigatória do Relatório do Ordenamento do Território (REOT 2025). A fusão Aveiro–Ílhavo poderia ser um caso-piloto de sucesso, demonstrando como é possível fazer mais com menos, sem sacrificar identidade ou proximidade — antes reforçando-as com meios, escala e visão.

O problema da fragmentação territorial está longe de ser exclusivo desta região. Casos como o de São João da Madeira, com apenas 8 km² e totalmente encravado entre Santa Maria da Feira e Oliveira de Azeméis, ou o Entroncamento, desgarrado de Torres Novas, são outros exemplos de concelhos que já não beneficiam dessa autonomia administrativa.

O mesmo se aplica a outras áreas urbanas contínuas, como a do Grande Porto, onde a criação de um município unificado permitiria reduzir de seis para um o número de presidentes de câmara, otimizando a gestão de transportes, habitação, resíduos e planeamento urbano. Mais próximo de Aveiro, exemplos como a fusão da Murtosa com Estarreja ou ainda a junção da Mealhada, Anadia e Oliveira do Bairro num verdadeiro município da “Bairrada” são opções que deveriam entrar na discussão pública.

Aveiro – Ílhavo (proposta).

Mais de metade da população atual dos dois concelhos de Aveiro e Ílhavo chegou nas últimas duas ou três décadas – gente que não carrega rivalidades nem bairrismos estéreis, mas que exige serviços eficientes, melhor mobilidade, habitação acessível e qualidade de vida.

Se Portugal quer ser um país com territórios mais equilibrados e sustentáveis, tem de começar a ter coragem para discutir reorganizações com seriedade. Manter tudo como está é a opção mais fácil — e também a mais cómoda para quem vive do statu quo. Mas não é, de todo, a melhor. Se queremos um país mais moderno, justo e eficiente, a reorganização territorial tem de deixar de ser tabu.

* Gestor Industrial.

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