Dê as voltas que quiser à tortilha. No final são mais carros que terão que chegar ao centro da cidade.
Por Rita Batista *
Começo a minha intervenção por recuperar o que uma adolescente pedia no último dia 27 de setembro quando se dirigia aos seus pares: deixem de usar transporte individual, façam um esforço por usar transportes públicos ainda que frisando o difícil que era, usar transportes públicos em Aveiro.
São as gerações mais jovens a dar o mote. A dizerem ao que vêm e o que esperam dos seus pares e dos decisores políticos. Pena que não tenha estado presente, sr. Presidente.
E depois esbarramos nesta senda do sr. Presidente da Câmara Municipal de Aveiro (CMA), de um parque de estacionamento no centro de Aveiro, uma obra em total contra-ciclo do que se vem discutindo no país e no mundo. Nada faz para reverter este caminho, pelo contrário, agrava-o.
Vivemos uma crise climática que exige combate cerrado e isso passa pela descarbonização das cidades, passa pela alteração do paradigma da mobilidade de transporte individual para transporte coletivo. E quanto a isso o sr. Presidente nada faz, pelo contrário, insiste, persiste num modelo ultrapassado de mobilidade baseado no transporte individual.
Senão vejamos. Aveiro tem um problema de excesso de carros. Que não se resolve com novos parque de estacionamento que apenas atrairão ainda mais carros a entrar na cidade. A única solução é a aposta clara, investimento concreto em transportes públicos e boas condições para meios de deslocação ativos.
Mas estando identificado o problema – excesso de carros – o que é que se propõe fazer o sr. Presidente da CMA? Trazer mais carros para a cidade. De 90 passa para 219 lugares. Dê as voltas que quiser à tortilha. No final são mais carros que terão que chegar ao centro da cidade.
É conhecido e estudado o fenómenos de car cruising que consiste na procura de um lugar não pago nas imediações de um sítio onde se paga. Ou seja, quando afirma que diminuirá o trânsito nas imediações do Rossio isso é falso. Pelo contrário, serão mais carros a circular nas imediações antes de ter um sítio pago. Mais carros, mais emissões de carbono, pior qualidade do ar, Aveiro em contra-ciclo.
Quiséssemos nós que tivesse havido por parte do sr. Presidente tanto empenho e dedicação com estudos prévios e tudo o resto para investir em transportes públicos em Aveiro. Isso sim retiraria carros da cidade. Isso sim é trabalhar para a descarbonização da cidade e ter uma visão de futuro coletiva, mais sustentável, na linha da frente no combate à crise climática.
E depois temos a viabilidade económica. Não é novo, já o fez antes precisamente com a concessão dos transportes públicos. E tal como nesse caso, quando se fala em entregar a privados uma concessão por longos períodos de tempo como aqui por 40 anos, é a CMA não ter controlo, prescindir de um instrumento de regulação de mecanismos essenciais de planeamento do território e da mobilidade.
Por si, já é grave. Torna-se gravíssimo quando o sr. Presidente andou este tempo todo a dizer que só haveria parque de estacionamento se houvesse interessados em construir e gerir o parque de estacionamento. Vale o que disse em junho de 2018 ou não? Parece que não. Dois terços da obra será financiada com dinheiros públicos e esta custará mais do dobro do que disse seria ser o limite viável para a sua construção.
Contas feitas entre fundos comunitários, fundos da própria autarquia, carência de rendas por 5 anos, dar a gestão do parque de estacionamento do Mercado Manuel Firmino isto dá uma renda por lugar de 16 euros por mês do concessionário à CMA. Qual é o munícipe que não quer alugar uma garagem por 16 euros por mês? E do ponto de gestão eficiente parece-lhe um bom negócio? Pois a nós parece-nos um péssimo negócio.
9.8 milhões para a obra, mais os 30 milhões arrecadados pelo concessionário em 40 anos, quantos anos de transportes públicos gratuitos isso daria?
E a perspetiva do debate tem de ser esta, do que se está a perder, do que se vai perder. Vai-se perder muito. Um jardim. Arrasar e transformar verde em pavimento em nome de eventos ocasionais. Destroem-se vivências do quotidiano por um espaço a usar esporadicamente.
Fica por explicar quem é que ganha com esta obra, a quem é que serve esta obra. À população não é com certeza.
* Vogal do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Aveiro, intervenção feita durante a discussão da proposta de abertura de concurso público e concessão do projeto do Rossio.
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