Aveiro e a Rede Europeia dos Países com Indústria Automóvel

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Renault, Cacia (Aveiro).
Natalim3

Em 1991, fui com o Presidente Girão Pereira, a uma reunião da Associação de Municípios, realizada em Coimbra, onde a Câmara de Aveiro foi eleita ou nomeada, não posso garantir, para representar Portugal na “Rede Europeia dos Países com Indústria Automóvel” (REPIA).

Por Diamantino Dias *

Mais tarde, o Presidente da Câmara, que iria estar ausente creio que do país, delegou-me a representação nacional, numa reunião daquela “Rede”, que teve lugar em Valladolid, na qual participaram, para além de mim e dos espanhóis, franceses, italianos, alemães, belgas e britânicos (galeses).

Como não estava dentro do assunto, pedi autorização, ao Presidente, que ma concedeu, para ser acompanhado e assessorado por um representante de uma associação de fabricantes de componentes para a indústria automóvel, presença esta que foi muito bem acolhida por todos os participantes que, exceptuando o representante do Ayuntamiento que nos recebia, não eram políticos.

Curiosamente, a primeira coisa que os galeses me perguntaram era se eu exercia algum cargo político. Ficaram satisfeitos com a minha resposta, porque não sabiam que a única coisa de que eu tinha conhecimento, no que respeitava aos automóveis, para além do que me tinha sido exigido para obter a carta de condução, era o nome de algumas marcas.

Passado pouco tempo, realizou-se nova reunião, em Bruxelas, convocada pela “Comunidade Europeia”, que apoiava a “REPIA”, para ser feito o ponto da situação, na qual estive também presente, por delegação que me foi confiada, mais uma vez, pelo Presidente. Como não me poderia fazer acompanhar por um técnico, pedi, à supracitada associação de fabricantes de componentes, que me fossem fornecidos elementos que permitissem que a minha participação fosse o mais eficaz e útil possível, dados esses que me foram facultados em francês e inglês.

A reunião, a que compareceram praticamente as mesmas pessoas da de Valladolid, foi presidida por uma funcionária da CEE que começou por dar a palavra a um dos galeses, situados à sua esquerda, o qual falou em inglês. E as intervenções seguiram-se, no sentido dos ponteiros do relógio: os franceses, em francês e os belgas, também, em francês.

Recordo-me de que um dos problemas, destes últimos, era a grande intensidade de trânsito de camiões porta-contentores, no interior do Porto de Antuérpia, a qual causava grandes demoras que prejudicavam o funcionamento do sistema JIT (“just in time”), adoptado pelas suas fábricas de montagem.

Eu seria o quarto. Era a primeira vez que participava numa reunião àquele nível e estava à espera que houvesse serviço de tradução. Em Valladolid, compreendia que tal não tivesse acontecido e que nos tivéssemos ajudado uns aos outros; agora, na sede da Comunidade?! Resolvi protestar e, quando chegou a minha vez, comecei a falar em português, perante a estupefacção de toda a gente. A senhora, que presidia, interrompeu-me, ao fim de um ou dois minutos, para perguntar, em francês, porque é que eu estava a falar em português.

Respondi-lhe, em francês, que o tinha feito por duas razões: porque era a minha língua, tal como tinha acontecido com os três anteriores intervenientes e que o português era falado por mais de 218 milhões de pessoas (1), o que o colocava em sexto lugar na tabela das línguas mais faladas do mundo, enquanto o francês só aparecia em nono lugar, com 130 milhões.

A senhora elucidou-me que, nas reuniões de trabalho da CEE, não havia tradutores, e que os idiomas utilizados eram o inglês e o francês, pedindo desculpa de tal não ter sido mencionado na convocatória. Como conhecia o nível de francês dos espanhóis e dos galeses, com quem tinha estado em Valladolid, comecei a falar francês, carregando no acelerador; os franceses sorriram e a senhora pediu-me se eu podia falar mais pausadamente. Ficaram satisfeitos com os dados que forneci, já não faço a mas pequena ideia qual era o seu teor, e tudo acabou em bem.

À noite, fui convidado para uma confraternização ibérica, porque os espanhóis tinham gostado da minha “reclamação”, pois o facto de o castelhano ser preterido em favor do francês e de terem que falar outra língua, que não a sua, naquelas reuniões, também lhes ficava atravessado.

1) Segundo a “Ethnologue Languages of the World”, actualmente, o português é a língua nativa de 267 milhões de pessoas, situando-se em quarto lugar entre as mais faladas no mundo.

* Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, Técnico Superior Assessor Principal da Câmara de Aveiro – reformado (página do autor em Aveiro e Cultura).

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